quarta-feira, 30 de agosto de 2017

O atraso é nosso

Vittorio Medioli

Não é segredo para quem trabalha seriamente que, quanto menor é a presença do Estado, maiores são o êxito econômico e o resultado social. Hoje o Estado é visto e sentido como inimigo do progresso, um sinônimo de corrupção e de bandalheiras. Os próprios bons servidores vêm perdendo autoestima e conceito.

O Estado, tomado por quadrilhas partidárias de assalto, existe não para ajudar, mas para atrapalhar, chantagear, subjugar e arruinar o progresso nacional.

Temos no agronegócio, com sua pujança que sustenta a arrecadação nacional, o setor mais bem-sucedido, exatamente por ser o mais diluído num imenso território e distante do cerne do problema. Fora de concursos são as obras públicas que resolvem com propinas seus problemas e chegam a pagar bilhões de reais, sem que a fiscalização pública se aperceba das montanhas de desvios.

Também precisa considerar que nem todos os Estados e municípios são iguais, alguns, como Minas Gerais, conseguem ser piores que os outros. E isso não é de hoje, é uma tradição secular que teve poucas tréguas, como foi o governo de Rondon Pacheco, que deu partida aos maiores projetos de Minas e, sobretudo, deixou um exemplo. Daquela só os cacos sobraram.

Apesar das supostas precauções burocráticas, as reservas amazônicas estão desaparecendo, as clareiras são visíveis a olho nu em qualquer mapa tirado pelo satélite. Como se pode constatar, o ambientalismo tupiniquim de salto alto não serviu e não serve a nada, a burocracia defende a possibilidade de cobrar pedágios da serra elétrica. As leis pantagruélicas são ineptas e derretem ao calor das propinas.

O caos alcançado em solo brasileiro é proposital e cultural, embebeceu o lado mau da alma brasileira, que como nenhuma outra no planeta sabe impingir dificuldades a troco de facilidades.

A tirania estúpida se agravou, o gigantismo da “inutilidade” alcançado em Brasília se multiplicou nos cabides de emprego que geram currais eleitorais. A Lava Jato confirma que todos os cuidados geraram um monstro cleptocrático e tirano.

Exemplos sobram, mas coloco aqui um que merece o repúdio. Estive no Ministério da Justiça, em Brasília, para tentar reverter a devolução de uma verba de cerca de R$ 600 mil, que se encontra depositada nas contas da Prefeitura de Betim há mais de quatro anos. Foi ativada por mim, como prefeito, em maio, quatro meses após minha posse, interrompendo a inépcia de 40 meses do governo anterior. Tudo funcionando muito bem há dois meses, prestando contas da distribuição de microssalários de R$ 190 a 70 mulheres e 90 jovens, para serem portadores de cartilhas que estimulem a paz social. Exatamente nos bairros que assistem à maior violência e à pior criminalidade. Em julho, depois de ativado o programa, veio a ordem de devolver os recursos, cerca de 90% do total.

Em três semanas, depois do aviso, protocolamos pedidos de reconsideração, fizemos quatro visitas, e na última fui pessoalmente com amplo relato de fotos, vídeos, manifestações da comunidade. Nada serviu. Fiquei na cadeira de espera por 40 minutos, apesar de não ter fila e ninguém sair da sala do chefe. Assisti a duas recepcionistas dotadas cada uma de dois computadores e duas telas de LED sem que fizessem deles qualquer uso em algum momento. Passei pela sala da secretária, que nem sequer levantou a cabeça, e cheguei ao “atarefado” chefe para ouvir que não tinha saída, tinha que desativar, dispensar e suspender tudo pelas falhas que já tinham sido sanadas. Essas mulheres, na penúria por que passa a prefeitura, infelizmente foram suspensas no meio de lágrimas e pesares. Os recursos devolvidos para um governo que está entre os mais corruptos e cruéis de todos os tempos. Acham que a justiça divina não existe.

Esse é o Estado-excremento que faz do Brasil um país líder em corrupção e injustiças, além de estupidez.

Em Betim, minha terra, transcorreram alguns anos para dar um alvará de funcionamento a uma associação de catadores de papel que arranquei na marra. O local e as instalações foram doados pelo governo federal e executados também com contrapartidas municipais.

Mas sem alvarás de licenciamento da prefeitura e dos bombeiros, sem estudo ambiental e por aí afora. Deixar para essas humildes pessoas as obrigações do poder público, complexas, onerosas e penosas. Tudo fora do alcance delas. Esse é o Estado que dá com uma mão e tira com a outra.

Mostrei aos entes fiscalizadores que essas pessoas foram traídas em sua inocência e que o Estado tem que resolver e entregar tudo licenciado. E, ainda, obras doadas pela iniciativa privada, interessada em apressar o que o “público” só promete em dia de eleição, sofre atrasos por picuinhas. Como se o mínimo que o “público” devesse fazer fosse ajudar a solucionar o problema fazendo-se presente e ativo.

Isso infelizmente não é compreendido, não se entende que apenas com o desenvolvimento se arrecadam recursos para pagar salários e atender a demanda da população.

Nas atitudes do Estado se enxerga o equívoco, o não concatenamento de causas e efeitos.

Por isso, vivemos e pagaremos por muitos anos o castigo do desemprego e da miséria.

Jornal O Tempo

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