quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Inépcia, não a corrupção, quebrou o país. Na Eletrobrás, perdas vão a R$ 228 bilhões em 15 anos, 4% do PIB

Antonio Machado

Dependemos mais da boa gestão da economia e das empresas estatais para o país sair da lama que do sucesso da Lava Jato. Afinal, incompetência não leva ninguém à prisão

Crime sem punição
A sujeira nos desvãos da nossa encardida República faxinados pelas equipes anticorrupção revela a falta de asseio da política. Mas há sujeira ainda maior acumulada por mais de uma década de ignorância e soberba dos governantes assessorados por burocratas tais e quais.

Pouco se sabe dos malfeitos cometidos na condução das estatais e órgãos públicos não necessariamente devido a práticas corruptas. É isso que importa desvendar e informar, com fanfarras, à sociedade para a prosperidade poder voltar à economia e à mobilidade social.

Mesmo no caso emblemático da Petrobras, foco da Lava Jato, se sabe mais dos corruptos e corruptores que sobre a organização e métodos gerenciais que levaram a petroleira mais rentável e de maior valor de mercado no mundo, pouco menos de uma década atrás, à desonrosa condição de empresa mais endividada e com maior prejuízo global.

A gestão pós-petista do executivo Pedro Parente na Petrobras já a tirou da insolvência, que só não se consumou graças à proteção do Tesouro Nacional. Mas falta contar de modo claro como foi possível quebrar em dez anos uma empresa monopolista, que cobra o que quiser pelos combustíveis que ela própria extrai, refina e distribui, além de bafejada pelo pré-sal, a maior reserva de petróleo descoberta no mundo desde os anos 1960.

A corrupção foi só sequela, não a causa
A literatura e a experiência ensinam que a corrupção floresce onde campeia a desordem gerencial, os planos de negócios são toscos, não há gestão profissional, os executivos são despreparados e a média gerência passeia ao acaso. Acionistas omissos completam o círculo.

Além disso, cultura corporativa forte tende a induzir o quadro de funcionários a se fechar em si mesmo e a ver a sociedade a quem se deveria curvar com hostilidade. As relações espúrias com agentes externos nascem do objetivo de blindar seus interesses à margem de quaisquer outros, inclusive da direção e controladores, formando um teatro do absurdo em que os Cerveró, os Barusco, todos quadros de carreira da Petrobras presos na Lava Jato, foram atores centrais.

Como raio em céu azul
Todas estas mazelas foram muito bem identificadas na Eletrobrás, a outra ex-pedra preciosa do colar de empresas estatais, conforme um balanço preliminar dos técnicos envolvidos na reconstrução do setor elétrico brasileiro. Nela, a inépcia, sob a chefia da ex-presidente Dilma Rousseff, que se via como doutora em energia, desponta como o evento muito mais poderoso e destrutivo que a corrupção.

Se não se distinguiam pelo primor das operações, Eletrobrás e suas subsidiárias de transmissão e distribuição faziam o trivial, apesar de carecerem de investimentos para modernizar a rede e criar novas hidrelétricas e termelétricas. Até que Dilma caiu como raio em céu azul, mudando as regras por si complexas do mercado de energia, em 2003 e 2004, e ao antecipar, em 2012, o vencimento das concessões.

Mas sabem a história de que “não tem meta, mas quando atingirmos a meta vamos dobrar a meta”? Pois é. O que poderia fazer sentido foi extrapolado pelo corte unilateral da tarifa (que usou para promover sua campanha à reeleição), criando um tumulto ainda não resolvido.

Padrinhos da cosa nostra
Cabeças confusas, moídas por fetiches ideológicos e certezas mal fundamentadas, geram sequelas diretas, como o salto no precipício da Petrobras, ao ser forçada a bancar investimentos sem suporte em resultados (endividando o Tesouro, isto é, nós todos), e a violação das contas até então relativamente saudáveis do sistema elétrico.

Os corruptores vieram em seguida, vários convocados pelo governo a tocar os planos ambiciosos, desde que repartissem um naco com seus padrinhos “desenvolvimentistas” – os corruptos que fazem a festa da Lava Jato, levando procuradores e policiais federais a se sentirem prestigiados e liberados a exigir maiores salários em pleno inverno da economia. Assim é o Estado: dá lá, toma cá. Não é mole, não.

Incompetência tem sursis
A conta dessa farra está na recessão, nas dívidas impagáveis, nos juros absurdos, nos impostos sem fim, no desemprego, nos cinco anos seguidos de déficit fiscal e que se estenderão no mínimo até 2021 e... E na perda de valor de largo espectro do sistema produtivo, em especial das nossas maiores empresas, a Petrobras e a Eletrobrás.

Ao todo, entre projetos mal feitos, investimentos adiados, custos irreais, conflito de interesse entre construtor e investidor (ambos do mesmo grupo empresarial), receitas frustradas e impostos não recolhidos, o sistema Eletrobrás acumulou em 15 anos até 2016 uma destruição de valor ao Estado brasileiro da ordem de R$ 228 bilhões (supondo apenas a fatia de 67% do capital nas mãos do governo).

A perda, que a gestão do executivo Wilson Ferreira tenta reaver ao menos em parte na Eletrobrás, custou 4% do PIB. Os prognósticos são bons. Embora sejam coisas diferentes, dependemos mais da boa gestão da economia e das estatais para o país sair da lama que do sucesso da Lava Jato. Afinal, incompetência não leva ninguém à prisão.

Estupidez com empáfia
O descalabro a que chegou a Eletrobrás e subsidiárias, tal como a Petrobras, é outra evidência de que o Brasil S/A era (e ainda será, dependendo do que acontecer) um empreendimento próspero.
Se tivesse de dizer o que mais influiu na nossa queda, destacaria a estupidez e a empáfia de governantes imprudentes. Isso se atesta até nos grandes números da economia. O total da folha mais encargos do setor público de todos os poderes, de 2002 a 2016, cresceu 255%, 51,7% acima da inflação pelo IPCA de 134% neste período de 14 anos.

Nenhum problema, se tal fosse também o desempenho dos brasileiros sem emprego estável, além do mais importante: o nível da produção crescesse à frente. Mas não: o PIB a preços de 1995 avançou apenas 35,4% em 14 anos. E cresceu mais pelo consumo (51%) e importações (123%) que pelo investimento (32%) e exportações (51%).
A isso se dá o nome também de imperícia. Felizmente, sabemos as causas.

Editor do Cidade Biz


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