quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Angola se prepara para a saída de presidente Dos Santos depois de quase quatro décadas

GEMMA PARELLADA
(*)

O presidente, no poder desde 1979, deixa o cargo depois das eleições desta quarta-feira

As imensas bandeiras vermelhas e pretas ondeiam com a brisa fresca na árida capital, Luanda. Penduradas nas pontes, nos postes, na praia, as cores do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA) – que são as mesmas da bandeira nacional – tingem a cidade nas horas prévias às eleições desta quarta-feira, que não apontam mudança política, mas serão uma histórica e retumbante despedida: a do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 38 anos.

“Quando nasci, Santos já estava à frente.” Como Pedro, que fala pedindo o anonimato, toda a juventude de Angola (25,7 milhões de habitantes, segundo o censo de 2014) só conhece seu país nas mãos de Santos, de 74 anos, e viveu sempre sob um sistema dirigido e controlado por um só homem. Com Teodoro Obiang, o presidente da Guiné Equatorial, no poder desde 1979, José Eduardo dos Santos é o mandatário africano com mais anos no comando de um Governo, acima do camaronês Paul Biya (35 anos) e do zimbabuano Robert Mugabe (29 anos). Agora, Santos, com a saúde frágil (esteve em uma clínica em Barcelona duas vezes no último ano), entrega voluntariamente a segunda posição do pódio, em um gesto político sábio que o afastará da primeira linha, embora não necessariamente do poder.

A Constituição aprovada em 2010 prevê a realização de eleições gerais a cada cinco anos. Com o sufrágio são eleitos 130 deputados em âmbito nacional e outros cinco como representantes de cada uma das 18 províncias do país. Só pode ser presidente de Angola o cabeça de lista de âmbito nacional que for o mais votado. Das 220 cadeiras da Assembleia, 175 estão em mãos do MPLA. Quase 10 milhões de angolanos estão aptos a ir às urnas nesta quarta-feira.

“Este país precisa de mudança”, afirma Abel Chivukuvuku, o candidato de um dos principais partidos da oposição (CASA-CE), em seu último comício, invocando um elixir que cai bem entre a juventude, ansiosa por abertura, mas que não causa temor na poderosa estrutura do MPLA.

Os arranha-céus se estendem pelo elegante perfil da costa de Luanda, fazendo sombra a uma cidade envolta por bairros de casebres precários. Os recursos minerais, como os diamantes e, sobretudo, o boom do petróleo, permitiram ao Estado reconstruir uma parte da infraestrutura totalmente destruída pela guerra, que terminou em 2002. Treze anos de luta pela independência de Portugal, mais 27 de guerra civil, deixaram o país cicatrizado pelas bombas, pelos deslocados, pelos feridos, e sob o perigo das minas antipessoal – Angola está entre os cinco países mais minados do mundo. Há 88.000 pessoas vivendo com ferimentos causados por essas explosões. O colapso do preço do petróleo freou o desenvolvimento econômico do país, que entrou em recessão pela primeira vez desde 2002.

Tudo é caro em Luanda, menos os candongueiros, esses transportes brancos e azuis que permitem a movimentação das classes populares da capital. Um deles entra a toda velocidade pela faixa de terra da Ilha, que fecha a laguna com a marina e alguns dos clubes mais elegantes da cidade. O ajudante do motorista, pendurado na porta que abre a cada parada pare recolher gente, tira com delicadeza a bandeira amarela do CASA-CE pela janela. Em uma das paradas, diante de um caminho de areia com uma concentração de pessoal do MPLA, as mulheres com sombrinhas, chapéus e camisetas vermelho e preto lhe dizem que está no partido errado.

Na rua, as divergências são suaves, amáveis e cordiais. Mas expressar uma opinião contrária ao MPLA pode ter graves consequências, como bem sabe o reduzido grupo de angolanos que ousa apontar, condenar e denunciar os excessos do partido e da família do presidente. O jornalista e ativista Rafael Marques de Morais esteve na prisão, foi ameaçado e acusado pelas autoridades de “injúria contra a autoridade pública”. Mas, a poucas horas das eleições, continua sem medo de falar.

Para Marques, João Lourenço, ministro da Defesa e, aos 63 anos, substituto de José Eduardo dos Santos, não é indício de uma abertura do sistema, nem sequer nas fileiras do MPLA, mas bem o contrário. “Não é um homem de diálogo”, afirma. “O presidente Santos encontrou com o passar dos anos uma maneira de usar a corrupção como repressão, em vez da violência. O resultado para a população é o mesmo: morrem por falta de remédios e ausência dos serviços básicos, mas pelo menos foi capaz de absorver a maioria da oposição.”

O novo candidato é, ao contrário, “um homem com uma visão mais radical do poder e tentará se impor não por meio do diálogo ou da tolerância, mas mostrando quem está no cargo”, segundo Marques. Há duas décadas Marques denuncia com nomes e sobrenomes os negócios fraudulentos da família Santos e da cúpula “dos generais”, que combinam o poder político e econômico de Angola.

“O presidente Santos privatizou o Estado, os principais bens do país – o setor diamantífero, o petróleo e o setor bancário – estão em mãos de seus filhos”, denuncia. A filha mais velha, Isabel dos Santos, se transformou na primeira mulher bilionária da África. Segundo o Centro de Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, entre 2002 e 2015 o equivalente a 90 bilhões de reais do orçamento do Governo desapareceram.
Entre o amarelo e o vermelho e preto, que Luanda veste, assoma também o galo do grande inimigo histórico, a UNITA, o partido oposicionista com maior representação no Parlamento atual. O grupo armado do célebre Jonas Savimbi, contra quem o MPLA travou a feroz guerra civil e que só depois da morte de Savimbi transformou sua oposição de armada em política.

EL PAÍS

(*) Comentário do editor do blog-MBF:  comparada com Angola, nossa “democracia” é um luxo. Lá como aqui, eles, os políticos e seus financiadores, chamam a farsa que vai ocorrer hoje, de eleição.
E o povo, idiotizado pela propaganda mentirosa e pela falta de conhecimento mínimo, acredita que está tendo opção de escolha, quando não faz mais do que referendar os candidatos escolhidos à dedo pelos donos do poder.
Isto de forma alguma é democracia. Mas é a “democracia” que nossos políticos nos impõem, com todas reformas políticas que fazem no passar das décadas. Mudar para nada mudar.

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