domingo, 21 de maio de 2017

Chile se soma à crise global da social-democracia

ROCÍO MONTES

A fracassada candidatura presidencial de Ricardo Lagos condensa a crise do Partido Socialista

A social-democracia chilena, que desde a redemocratização do país, em 1990, mantinha uma aliança com o centro para liderar a ransição, encontra-se no auge de uma crise prolongada. Ao desistir de tentar um retorno ao palácio de La Moneda, em abril, Ricardo Lagos (que foi presidente entre 2000-2006) cristalizou os problemas que esse setor político enfrenta.

Atualmente sem candidato claro, o eleitorado social-democrata se divide entre apoiar o senador socialista Alejandro Guillier, a democrata-cristã Carolina Goic e a jornalista Beatriz Sánchez, candidata da coalizão Frente Ampla, que pretende superar a esquerda tradicional fora dos dois grandes blocos.

“O que ocorre com o Partido Socialista chileno é muito parecido com o que aconteceu na França. Tem um eleitorado muito tentado a votar em Sánchez, uma aposta que nas eleições francesas foi encarnada por Jean-Luc Mélenchon. Os socialistas procuram responder a essa tentação esquerdizando a sua própria postura, o que é fatal para a candidatura de Guillier, que é o candidato oficial do partido”, afirma o sociólogo Eugenio Tironi.

O ex-senador Carlos Ominami, que pertenceu por décadas ao Partido Socialista, aponta um cenário de crise global das esquerdas e da social-democracia. “Há décadas foi o desabamento da esquerda comunista, e hoje em dia temos uma esquerda socialista e social-democrata que está sendo muito maltratada”, explica o economista. Cita o caso da França, onde o Partido Socialista obteve apenas 6% nas últimas eleições, mas evoca também a situação dos socialismos da Holanda, Áustria, Espanha e Alemanha: “Há um cenário de crise global da social-democracia por uma razão muito simples: ela não foi capaz de responder aos desafios da globalização e à crise do neoliberalismo”.

Transição democrática
Para Ominami, a esquerda chilena tem um ativo grande em sua contribuição à transição para a democracia. “Mas é um ativo que foi se desvalorizando à medida que o tempo passou, e ela tem também um tremendo passivo: não foi capaz de dar o salto para uma sociedade pós-neoliberal. Fizemos uma transição limitada – porque ficamos com a mesma Constituição e a mesma ordem econômica geradas durante a ditadura – e finalmente temos um sistema altamente privatizado”, diz Ominami, ministro da Economia do primeiro Governo da democracia (1990-1994), presidido por Patrício Aylwin.

Ele considera que, embora não vá acabar, a esquerda chilena está em crise e num processo de reconfiguração muito forte, com um concorrente significativo: a Frente Ampla. De acordo com o ex-senador, que deixou o Partido Socialista em 2009 para apoiar a candidatura presidencial de seu filho, Marco Enríquez-Ominami, ainda não se sabe se esta nova coalizão poderá dar novos rumos ao conjunto da esquerda, hegemonizando-a, “ou se irá se acomodar a uma concorrência fratricida com a esquerda tradicional, sem chegar a ser opção de Governo, que é o que acontece hoje na Espanha com o Podemos”.

Junto com a derrota de Lagos, que nunca conseguiu decolar nas pesquisas nem teve o apoio do Partido Socialista chileno, fracassou a tentativa do ex-presidente de contribuir de alguma forma para a superação da crise global da social-democracia. “Não se tratava apenas de disputar a presidência do Chile, mas também de responder ao desafio de entregar conteúdos novos ao socialismo no século XXI”, explica o assessor de Lagos para assuntos internacionais, Fernando Reyes Matta. Ele recorda que Lagos, ao anunciar ter desistido da sua candidatura, em 10 de abril, disse também que as respostas do socialismo aos fenômenos do século XX já não servem para dar conta dos fatos contemporâneos.

Reyes Matta observa que, embora a aspiração presidencial não tenha sido bem sucedida, o ex-presidente Lagos, que no começo dos anos 2000 foi parte da terceira via socialista da América Latina, não abandonou sua intenção de formar equipes de trabalho em seu país e novas propostas para o futuro. “Como há um vazio na matriz progressista, na social-democracia, é aí onde Lagos está se comprometendo a deixar sua última marca”, afirma seu assessor. Para Tironi, em seus sete meses de campanha o ex-presidente “conseguiu reconstituir um pensamento social-democrata moderno, que é algo valioso no Chile, no contexto latino-americano e mundial”.

Com o eleitorado moderado de esquerda sem um candidato claro para as eleições de novembro, e uma geração, a que liderou a transição, que parece ter sido repentinamente aposentada, uma das dúvidas que permanecem abertas é se o socialismo chileno deveria repensar um novo posicionamento doutrinário. Por enquanto tem dois grandes problemas: um Governo, o de Michelle Bachelet, que terminará seu mandato em março de 2018 com escasso apoio da opinião pública, e a falta de novos rostos que ajudem no processo de renovação.

EL PAÍS

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