quinta-feira, 20 de abril de 2017

A aluna cubana expulsa da universidade por criticar o Governo

PABLO DE LLANO

Os novos e os velhos tempos sopram misturados em Cuba. Na linha do castrismo radical, uma aluna de 18 anos foi expulsa da universidade por participar de uma organização política “contrarrevolucionária”. A novidade é que seis colegas de classe dela se opuseram abertamente à punição.

“Admiro a valentia deles”, escreve ao EL PAÍS por chat, de Cienfuegos (região central de Cuba), a estudante Karla Pérez González, alvo da punição. Para ela, seus colegas foram especialmente ousados, já que as autoridades haviam advertido que qualquer um que ficasse ao lado dela seria “analisado”. Pérez González cursava o primeiro ano de Jornalismo na Universidade de Las Villas, em Santa Clara, também na região central da ilha. Foi a única da sua província a obter uma bolsa pública para entrar na faculdade, e alguns meses atrás começou a escrever no blog do Somos+, um grupo oposicionista recém-criado. Usava o pseudônimo Oriana, em homenagem à jornalista italiana Oriana Fallaci.

“Tomei essa decisão porque, durante mais de uma década de formação nas escolas socialistas, o projeto de país vigente não me convenceu”, diz, sobre sua entrada no ativismo político. “Eu estava consciente dos prós e contras. Por um lado, amanhecia me sentindo mais livre, mas, por outro, com medo por mim e por minha família pela possível perseguição dos órgãos de Segurança do Estado. Ainda antes de entrar na universidade, já achava que podiam me expulsar.”

Superado o primeiro semestre com ótimas notas, foi submetida a uma avaliação ideológica por um comitê de alunos de organizações pró-Governo, que analisou, sem convocá-la, sua relação com o grupo dissidente e seus comentários noFacebook. Em 11 de abril ela assistiu à votação em que oito colegas de classe pediram sua saída, e seis foram contra. “Um com quem eu não tinha nenhum atrito se levantou e propôs minha expulsão”, relatou dias depois na página do Somos+. “Acusou-me de manipular os meus amigos e de ter praticado desde o início do curso uma estratégia para subverter os jovens que me cercavam. A vice-presidenta da Federação Estudantil Universitária na minha faculdade parou na frente da sala e disse: ‘Ela é uma má pessoa e nos enganou’. Terminada essa reunião começou outra, sem mim, com o reitor e todos os alunos de Jornalismo.

Aparentemente se oficializava a minha expulsão e se reiterava que evitassem o contato comigo.” Dois dias depois, seu caso já corria pelas redes sociais, e a FEU ratificava em nota a decisão contra ela, por “ser membro de uma organização ilegal e contrarrevolucionária”. Na próxima segunda-feira, irá recolher o veredicto “com otimismo no amanhã” e vontade de “apelar e apelar”.

Em suas colunas como Oriana no blog de oposição, Pérez González lamentou a situação da sua cidade – “Cienfuegos está morta, adormecida” –, criticou oPartido Comunista por “marginalizar do debate milhares de cubanos que representam a oposição”, apontou “a revolução interna que está acontecendo” entre os jornalistas dos veículos oficiais, recriminou a “escassa motivação” dos funcionários públicos no atendimento aos cidadãos, descreveu a uma juventude “cheia de sonhos frustrados” e que “mal pestaneja”, desejou mais debate público e “o enterro da obsoleta hipótese de que os 11 milhões [de cubanos] pensamos igual, quando nem dois o fazemos”, e se disse “firme no desenho do meu destino, onde escrever será minha missão, e quando me bloquearem eu derrubarei outra porta”.

Depois da sua expulsão, duas respostas a este jornal.
– Que pergunta faria ao presidente de Cuba?
– Ser revolucionário significa para o senhor, exclusivamente, comungar das ideias da Revolução de 1959?
– Se pudesse publicar uma reportagem de capa no Granma [o jornal do Partido Comunista], que tema escolheria?
– Inclusão em Cuba em matéria de pensamento e ideologias.

O castigo a Karla Pérez González aguçou o já vivíssimo diálogo sobre direitos civis e liberdade de imprensa, que cresce há anos na Internet entre os cubanos de dentro e fora da ilha – contrários, críticos ou leais fatigados por um regime que procura apressar a liberalização econômica, mas não a política. Em um comentário no Facebook, lar virtual da glasnost cubana, o jovem jornalista Kaloian Santos expressou de Buenos Aires sua “solidariedade” com a estudante. “Ideologicamente na outra calçada em relação à Karla”, como observou posteriormente ao EL PAÍS, deixou isso de lado em seu post para condenar que a tenham “privado de sua carreira sem mais argumentos que o de pensar diferente e não calar suas ideias em tempos onde as duplas morais, como as de seus inquisidores, reinam na ilha”. Entre o rio de respostas que motivou havia a de um usuário célebre, Silvio Rodríguez. “Concordo totalmente”, assinou o cantor e compositor, que após uma breve reflexão afirmou que “uma injustiça semelhante só pode despertar solidariedade”.
E concluiu: “Que brutos somos, cacete, e passam décadas e não aprendemos”.

EL PAÍS

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