quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

A ambiguidade política de Macron molda seu caminho na eleição francesa

RUBÉN AMÓN

Aos 39 anos, candidato favorito à presidência da França é 'prêt-à-porter', um presidente pronto para usar

Emmanuel Macron (Amiens, 1977) reúne tantas razões para ser presidente como para não ser. Jovem demais (39 anos). Carece de partido político. E construiu uma candidatura volátil em poucos meses. Nenhum desses obstáculos convencionais, porém, impediu uma insólita conjunção astral a seu favor. E não só por seu carisma e por seu perfil “apolítico”, mas também porque a conjuntura catastrofista de seus adversários abriu seu caminho para o Eliseu como se, desde o berço, estivesse predestinado a suceder François Hollande.

Não faltaria, no psicodrama da política francesa, um crime lacaniano e edipiano. Macron foi ministro das Finanças até meados do ano passado, promoveu uma polêmica reforma trabalhista e renunciou ao cargo para se concentrar em suas próprias ambições. Muito pequenas de início, em meio à incredulidade e à condescendência generalizadas. Muito grandes agora, uma vez que seus adversários na corrida para o eliseu se tornaram reféns de suas próprias candidaturas. Benoît Hamon está muito à esquerda. Marine Le Pen, muito à direita. E François Fillon parece carbonizado pelos escândalos de nepotismo divulgados pelo Le Canard Enchaîné.

Quem aproveitaria esse vácuo melhor do que um candidatoprêt-à-porter, um presidente pronto para usar, que não se preocupa com a ambiguidade ideológica desde que revelou a seus compatriotas, em agosto, aquilo que já sabiam ou desconfiavam: “Confesso, não sou socialista”.

Seria bom para Macron não cometer erros. Consolidar seu dom de saber estar dentro quando está fora e fora quando está dentro
O que é então? As dúvidas derivam de uma premeditada habilidade de jogar com o centro. Um eleitorado que retrata o conservadorismo antropológico dos franceses e que o novo golden boy pretende dilatar até a vitória. As pesquisas dão a ele a medalha de prata no primeiro turno, atrás da Frente Nacional, mas o trauma político advindo da vitória parcial de Le Pen teria que ser compensado no segundo turno.

O combustível de Macron seria a responsabilidade republicana do eleitorado. Entre outras razões, porque suas conotações populistas – o messianismo, a promessa de reformar o país de cima a baixo, a telegenia, a filantropia – não estão associadas aos baixos instintos lepenistas – ou trumpistas – nem contradizem seu pertencimento à essência mesma do establishment.
Macron provém da Escola Nacional de Administração (ENA). Essas três letras identificam a maior casta político-financeira da França e o levaram a trabalhar nos bancos Rothschild. É a razão pela qual sua candidatura é recebida pelo sistema com atenção e entusiasmo. E o motivo pelo qual Macron considerou necessário enfatizar sua consciência social. A ponto de seus discursos incorporarem o epílogo dasolidarité aos princípios da liberté, égalité, fraternité.

Macron encarna o neorrepublicanismo. Não incorrendo na exaltação patriótica nem no nacionalismo, mas reivindicando o laicismo e o europeísmo. Acredita na União Europeia e na cessão de soberania tanto como rejeita qualquer intromissão do fenômeno religioso na vida pública. Incluído o uso do burkini nas praias e piscinas comuns.

A desconfiança é algo antigo em Macron. Não por causa do Islã, mas pelo escândalo doméstico que enfrentou ao se apaixonar por sua professora. Ela tinha 24 anos e ele, 15. O vínculo foi considerado intolerável no colégio jesuíta onde transcorreram os namoricos. A relação questionava as próprias leis, mas o casal teve a chance de se reconstruir mais tarde. Hoje, Brigitte Trogneux, a professora, é a mulher do favorito ao Eliseu. Ela se divorciou para formalizar a relação em 2007. E Macron assumiu os três filhos e sete netos.

Essa filosofia de clã ou de modern family convém à imagem progressista de Macron. E representa uma novidade nos bastidores sentimentais do Eliseu. Mitterrand tinha uma família paralela. Chirac se cercava de suas favoritas. Sarkozy e Hollande renunciaram a suas esposas em benefício de mulheres mais jovens (Carla Bruni, Julie Gayet) e relacionadas ao mundo da cultura e do entretenimento.

Tampouco é habitual, na França, a vida sexual de um candidato ser usada como arma eleitoral, mas Macron teve que desmentir nesta semana que mantinha, como diziam os boatos, uma relação com o chefe da Radio France, Mathieu Gallet.

A batalha presidencial acontece em todas as categorias. Por isso madame Trogneux, ciente de sua influência de grande matriarca, concedeu há alguns dias ao semanário Paris Match uma dessas entrevistas açucaradas que exumam os detalhes do álbum de família.

Seria bom para Macron não cometer erros. Consolidar a habilidade de estar fora quando está dentro e dentro quando está fora. Superministro de um Governo socialista sem ser socialista. Produto genuíno do sistema sem o parecer. Apresentar-se como “novidade” imaculada em tempos de política líquida. E suscitar um estado de excitação providencial não a partir de um partido convencional, mas de um movimento cujo nome, Em Marcha, define conceitualmente o macronismo cinético. Macron se move e pretende continuar se movendo até as eleições de 23 de abril, além de perseverar no ardil de mostrar e esconder ao mesmo tempo seu programa político. Nem de esquerda, nem de direita. Com todos e para todos.

É preciso relembrar Silvio Berlusconi para encontrar um fenômeno de semelhante fugacidade e ambições. Il Cavaliere construiu o Forza Italia em cinco meses, mas Macron não teve uma plataforma televisiva a seu serviço.

Outra questão é que o desprestígio da política francesa e o despeito iconoclasta do eleitorado permite evocar aquela cena de Tempos Modernos em que Chaplin pega do chão uma bandeira vermelha que caiu de um caminhão. Ele a agita para chamar a atenção do motorista. E, ao fazer isso, se torna o líder involuntário de uma enorme manifestação. Não basta querer ser presidente, é preciso encontrar o momento para consegui-lo.

El País

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