domingo, 8 de janeiro de 2017

A meritocracia e seu oposto

Paulo Falcão

A discussão sobre certos assuntos vem se tornando tão rasa, tão burra e esquemática, que frequentemente fico na dúvida: trata-se de má-fé, preguiça ou ignorância? Muitas vezes observo dois ou três destes quesitos combinados.

É o caso do ataque sistemático à Meritocracia por tantos pseudo-intelectuais e outros tantos críticos diletantes.

O conceito básico de Meritocracia perpassa organizações como exércitos e outras estruturas sociais formais desde que as sociedades humanas começaram a se formar. No entanto, a terminologia como é usada hoje nasceu em 1958 já na forma de crítica. Foi cunhada por Michael Young e se popularizou através do livro “Levantar da Meritocracia” que faz críticas às sociedades democráticas em que as posições dos indivíduos na ordem social são definidas pela capacidade de trabalho (no sentido de formação, de conhecimento) e de esforço (dedicação do indivíduo em destacar-se do grupo). Para exemplificar, o autor criou a irônica fórmula QI + Esforço = Mérito que constituiria a crença básica da classe dominante.

Para Young, como as oportunidades são diferentes para as pessoas e grupos sociais, uma sociedade Meritocrática tende a perpetuar e, eventualmente, aprofundar as diferenças de oportunidade.

É a esta questão que se apegam o autor e a maioria dos críticos da Meritocracia. A formulação subjacente de quem defende esta tese é que a construção de uma sociedade igualitária não é compatível com a Meritocracia.

Como em quase todas as formulações da esquerda contemporânea, parafraseando Nelson Rodrigues, a tese é bonitinha mas ordinária. É apenas a desculpa perfeita para quem faz o elogio da preguiça, própria e alheia. Ou para quem ainda sonha com a igualdade de oportunidades pela eliminação (literal) dos privilegiados (a tal classe dominante).

Gosto de demonstrar o que afirmo e vou fazê-lo abaixo, mas antes quero lembrar aqui uma formulação de Eduardo Gianetti da Fonseca justamente sobre a “desigualdade”. Para ele, quando o governo age para promover igualdade “na partida” (educação de qualidade para todos, por exemplo) está sendo justo e democrático. Quando age para promover a igualdade na chegada (salários iguais para todos de uma mesma função, independente de resultados, por exemplo) está sendo injusto e autoritário. Quando investe em saneamento básico e saúde com prioridade para as áreas mais carentes, está reduzindo a desigualdade. Quando foca seus gastos na burocracia e em áreas que lhe ofereçam vantagens eleitorais, está aumentando a desigualdade, mesmo que a tenha diminuído nas áreas em que concentrou esforços.

Mas os críticos da Meritocracia ignoram formulações sofisticadas como esta. As paródias, as teses, as críticas à Meritocracia são sempre esquemáticas e maniqueístas. É o caso de recente artigo da Revista Forum que repete a ladainha em texto e quadrinhos. Logo no parágrafo de introdução já temos a falta de rigor e a argumentação desonesta:“É muito comum no Brasil, principalmente depois da ascensão de parte da população com os programas de transferência de renda do governo, algumas pessoas recorrerem ao conceito de “meritocracia”. Essa ideia é, normalmente, utilizada para criticar as medidas sociais usando a justificativa de que todos têm as mesmas oportunidades e que o mérito verdadeiro – o sucesso profissional, por exemplo – depende única e exclusivamente do esforço individual. ”

O parágrafo repete uma estratégia tão “vencedora” quanto picareta da esquerda: elimina da equação os interlocutores sérios e ponderados e foca nos idiotas e ignorantes “da direita” – que a rigor são realmente seus interlocutores “equivalentes”.

O grupo que defende a Meritocracia nos termos indicados pela Revista Forum e pela história em quadrinhos que o acompanha, pertence à mesma categoria dos que defendem ou pedem “intervenção militar” quando o assunto é política: são uma inexpressiva minoria utilizada como espantalho.

Quem defende a Meritocracia não diz que, desde que ambas se esforcem, a criança classe média e a que nasce na favela têm a mesma chance de sucesso. Isto é uma estupidez criada pela esquerda. Os defensores da Meritocracia pregam outras coisas.

Pregam que o rebaixamento das exigências de acesso à Universidade por sistemas de cotas, por exemplo, não reduz a desigualdade, já que não houve uma melhora na formação dos cotistas, houve apenas um truque estatístico.

Pregam que dentro de uma mesma função, é injusto pagar salários iguais para desempenhos diferentes, o que causa pânico nos sindicatos.

Quando o Governo do Estado de São Paulo, há alguns anos, propôs pagamentos de salários maiores para professores que elevassem o desempenho médio de seus alunos nas avaliações nacionais e internacionais (algo concreto para a redução da desigualdade nas oportunidades para os alunos da rede pública), houve apoio de boa parte dos professores, mas o Sindicato foi totalmente contra. Salário baseado em mérito por critérios objetivos é algo muito perigoso para quem é preguiçoso.

Na iniciativa privada não é diferente. Acompanho de perto a questão trabalhista em um Supermercado com 420 funcionários. O sindicado obriga que todos os registrados em uma mesma função (caixa, por exemplo) ganhem o mesmo salário. Não pode haver diferenciação por mérito, quando o razoável seria o sindicato indicar o piso salarial de cada função e deixar quem trabalha melhor (atende mais clientes por hora, por exemplo) ganhar mais.

A lógica dos sindicatos é nivelar por baixo e desestimular o esforço individual como fator de ascensão social. A razão é dupla: de um lado, o esforço individual enfraquece o poder sindical; de outro, remunerações baseadas em mérito impedem o nivelamento por baixo, também conhecido por “lei do mínimo esforço”.

Uma sociedade deve trabalhar incansavelmente para reduzir as desigualdades de oportunidades, mas não pelo rebaixamento do teto e sim pela elevação da base.
Isto é justo e desejável.

Boicotar o mérito pode até reduzir estatisticamente desigualdades, mas o fará pelo rebaixamento do teto e não pela elevação da base.
De certa maneira, a meritocracia é o estímulo a uma competição da pessoa consigo mesma. Uma sociedade meritocrática é aquela que incentiva cada um a ser o melhor que puder, a aproveitar ao máximo cada oportunidade que tem – e valoriza quem leva isto a sério. Uma sociedade assim certamente produz resultados melhores que uma sociedade não meritocrática, tanto do ponto de vista econômico como social.

PS – Veja um outro exemplo de ação concreta para reduzir a desigualdade pela elevação da base no artigo O VENENO DA IGNORÂNCIA.

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