segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O tamanho da herança maldita

Editorial

A crise causa forte impacto nos municípios, cuja grande maioria sequer contava com renda própria para arcar com os gastos, mesmo no período de bonança

Uma previsão infalível para os prefeitos eleitos é que enfrentarão a mais difícil conjuntura de toda a sua vida pública. Os reeleitos já sabem do que se trata. A mais grave crise fiscal de que se tem registro na história do país explode de maneira especial nas prefeituras, a unidade administrativa mais próxima das pessoas. O impacto é semelhante nos estados, porém as prefeituras padecem do agravante de terem pouco ou nenhuma margem de manobra para enfrentar uma crise em que há movimentos em sentidos contrários e fatais no caixa da União, estados e municípios: enquanto as receitas caem, puxadas por uma recessão que em dois anos deverá ter pulverizado de 7% a 8% do PIB e, em três anos, talvez 10%, as despesas sobem por força de mecanismos de indexação criados em gastos ditos sociais (aposentadorias, pensões e bolsas de todo tipo). O resultado é a falência fiscal. Daí a importância da PEC do teto.

O quadro municipal é mais negativo, porque a grande maioria dos cerca de 5.700 municípios não consegue pagar as contas com dinheiro de arrecadação própria. Mesmo na fase de bonança por que passou a economia brasileira. Muitos criados por interesses políticos paroquiais, eles dependem dos repasses de fundos de participação, constituídos por impostos estaduais e federais. Quanto aos gravames municipais — IPTU, por exemplo —, há prefeitos que evitam ampliá-los, revê-los, por motivos eleitoreiros. Preferem depender das cotas desses fundos, mas que estão também em processo de esvaziamento devido à recessão. Inclusive, já enfrentavam dificuldades desde o final do primeiro governo Dilma, com a política da presidente de fazer enormes desonerações de segmentos da indústria em impostos federais, a fim de estimular o consumo, quando o caminho indicado era dos investimentos. As famílias endividadas e a inflação em alta derrotaram a estratégia do governo, como foi alertado.

Com postos de saúde desabastecidos, dificuldades para manter em dia o funcionalismo, entre outros problemas sérios, a vida dos prefeitos só melhorará com o andamento das reformas no plano nacional.

Mas isso não os exime de agir na racionalização dos gastos, cortes de despesas supérfluas etc. Este movimento terá de ser nacional e amplo. Porque, por exemplo, segundo o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), calculado com base em dados de 2015 de 4.688 prefeituras, 87,4% delas estavam em situação entre difícil e crítica. Devem ter piorado. Só 12,1% encontravam-se em boas condições, e ínfimo 0,5%, em estado excelente. Cabe, ainda, aos prefeitos, dentro do respectivo raio de ação política, atuar a fim de que seus partidos trabalhem para aprovar com urgência as reformas encaminhadas pelo governo Temer ao Congresso (da PEC do teto, para começar, a previdenciária etc.). Não devem ficar parados, mas apenas a recuperação da economia melhorará de forma consistente seus caixas. O eleito que fez promessas irreais, populistas, pagará alto preço.

O Globo

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