quarta-feira, 14 de setembro de 2016

(2) BRASIL: DIRETRIZES PARA UM PLANO DE RECONSTRUÇÃO

                         O Brasil vive uma rara conjugação de crise política com crise econômica e crise ética. Todas são de grande proporção, a ponto de acarretarem também uma grave crise institucional. O resultado tem sido a duradoura mobilização social que há meses parte o País.
                        É nesse contexto, e no momento em que o destino político do comando do governo encontra-se sob a responsabilidade do Senado Federal, que o Bloco Moderador toma a iniciativa de apresentar proposta que viabilize a reconstrução do Brasil, qualquer que seja o responsável pelo Governo após a superação da inédita e gravíssima crise política.
                        Trata-se de colaboração de natureza institucional, inspirada no consenso das observações e da percepção dos integrantes do Bloco Moderador, plenamente adaptadas e atualizadas à realidade desta segunda década do século XXI, e com base no documento “Brasil: Um Projeto de Reconstrução Nacional”, publicado em 1991.
                       
Senado Federal, 18 de abril de 2016.

Senador FERNANDO COLLOR
Líder do Bloco Moderador  -  PTB – PR – PSC – PRB – PTC

I – REFORMA POLÍTICA: O SISTEMA PARLAMENTAR DE GOVERNO
Considerada a “mãe de todas as reformas”, a reforma política precisa ser definitivamente encarada de frente por todas as instituições brasileiras, sob o protagonismo do Congresso Nacional.
O sistema presidencialista, agravado nos últimos mandatos pelo chamado “presidencialismo de coalizão”, perdeu de vez a sua funcionalidade e tornou-se incapaz de proporcionar uma condução política e institucional minimamente viável para qualquer Governo que assuma o comando da Nação.
Todos já percebemos que o atual modelo de se fazer política esgotou-se. Precisamos, portanto, de uma “nova política”, em que os partidos deixem de ter como única serventia o ato de votar, e passem também a ter o papel de formular.
Não há mais espaço para o fisiologismo, que humilha e desacredita a classe política perante a população brasileira. Precisamos sair desse desânimo institucional, desse desencanto com a missão política. Daí ser necessário o correto diagnóstico da situação e a apresentação de ideias claras e definidoras para uma autêntica mudança do sistema político brasileiro.
Mais do que nunca, urge que a classe política, juntamente com a sociedade, debata com seriedade, sobriedade, mas com determinação, a opção do modelo parlamentarista de governo e suas possíveis variáveis.
Será este o remédio para os principais males da política nacional, a começar pela perspectiva de que o País dificilmente voltaria a passar por crise política, econômica e institucional de tamanha gravidade como a que vivemos hoje.
No parlamentarismo, qualquer crise, de qualquer natureza, é solucionada logo em seu nascedouro, na medida em que a perda do apoio político para se governar enseja a imediata substituição de todo o comando da equipe governante, sem precisar, portanto, que se espere o término do mandato de um governo. É por isso que se diz que enquanto o presidencialismo é o regime da “irresponsabilidade a prazo certo”, o parlamentarismo é o regime da “responsabilidade a prazo incerto”.
Ademais, a adoção desse novo regime permitirá, naturalmente, a consecução da tão esperada e necessária reforma política. A fórmula é, portanto, simples: a adoção do parlamentarismo, avalizada por referendo popular, que necessariamente demandará as mudanças adaptativas tanto no sistema eleitoral como no sistema partidário brasileiro. É a fórmula que temos para evitar crise política que nos legue, como hoje, um Brasil partido. Sim, um Brasil partido nas suas esperanças, nas suas expectativas, nas suas crenças, no seu propósito. Precisamos, pois, reunificá-lo, reconciliá-lo entre seus entes e consigo próprio.
Assim, aos que alegam que o Brasil não pode adotar o parlamentarismo por não possuir partidos fortes, é preciso dizer que, na realidade, o Brasil não possui partidos fortes por não ser parlamentarista.

II – O PAPEL DO ESTADO
Ao Estado impõem-se duas grandes tarefas: o apoio à transformação da estrutura produtiva e a correção dos desequilíbrios sociais e regionais.
A retomada do crescimento sustentado se dará partir da transformação da estrutura produtiva que contemple aumento sistemático da produtividade, melhoria permanente da qualidade de produtos e serviços e fomento à capacidade de inovação. Caberá ao Estado recriar as condições macroeconômicas e prover, em trabalho conjugado com a iniciativa privada, as infraestruturas econômica, tecnológica e educacional necessárias à reestruturação competitiva das empresas.
Para reverter a grave situação de desequilíbrio social e regional, é necessário, além de mecanismos alternativos de financiamento à infraestrutura social, estabelecer, por meio da coordenação das diversas esferas de governo, políticas sociais, regionais e de caráter compensatório. Assim, o Estado estará recuperando sua dimensão de promotor do bem-estar social, mas indo além do assistencialismo puro e simples, já que o propósito passaria a ser o de igualar as condições de partida.
A realização dessas tarefas requer uma mudança significativa na natureza do Estado e nas suas formas de atuação. O que se propõe é um Estado menor, mais ágil e bem informado, com alta capacidade de articulação e flexibilidade para ajustar suas políticas.
A tarefa de modernização da economia terá na iniciativa privada seu principal motor. Ao Estado cabe, porém, um importante papel de articulador dos agentes privados, com vistas a mobilizar esse conjunto de forças em direção aos objetivos de progresso e justiça social.
Assim, fatores como controle inflacionário, equilíbrio fiscal,redução do custo dos negócios, política responsável de crédito, redução da burocracia, entre outros, são cruciais para a retomada do crescimento do País.

Reforma do Estado
O grave desequilíbrio financeiro do Estado encontra-se no cerne da crise brasileira. Este desequilíbrio caracteriza-se, principalmente, pelo excessivo custo da máquina estatal, que gasta além do necessário sem oferecer, contudo, o retorno desejado pelos usuários dos serviços públicos. Ou seja, o Estado, além de gastar muito, gasta mal.
A superação da crise e a viabilização de um projeto de desenvolvimento para o País dependem de quatro fatores fundamentais: primeiro, a credibilidade do governante, a segurança jurídica dos contratos, que o ajuste fiscal ganhe dimensão estrutural e, por fim, que o aparelho estatal seja modernizado e profissionalizado mediante ampla reforma.
Para conferir alcance estrutural e permitir o saneamento financeiro do setor público é fundamental realizar uma revisão das finanças públicas, com ênfase na reavaliação da atual estrutura tributária e do Orçamento da União.
O sistema tributário brasileiro apresenta uma série de problemas estruturais que dificultam uma correta condução da política fiscal. É um sistema regressivo, baseado em impostos indiretos, e excessivamente complexo, o que justifica sua revisão. É crucial ampliar a base para reduzir as alíquotas, minimizando os níveis de evasão e sonegação fiscal, além de substituir a desoneração do investimento produtivo de alguns poucos setores pelo estabelecimento de regras gerais simples e justas para todos.
Além do reexame da estrutura de receitas, é fundamental buscar a reestruturação do gasto público. A sociedade só aceita uma carga tributária elevada se reconhecer que o Estado cumpre sua obrigação de devolver os recursos arrecadados sob a forma de uma oferta compatível de bens e serviços públicos. Nesse sentido, uma redefinição ampla do padrão do gasto público, com prioridade para sua eficiência, é indispensável.

Reforma Administrativa
A excessiva intervenção do Estado na economia e na vida do cidadão, além de contribuir para a baixa produtividade do gasto público e elevá-lo de forma desordenada, gera graves distorções. Multiplicaram-se órgãos e repartições, com caráter predominantemente regulador ou de controle, em detrimento da oferta de bens e serviços públicos na quantidade e qualidade desejadas pela sociedade.
Para que o Estado possa, efetivamente, desempenhar bem suas funções, é necessário transformar o serviço público em “serviço para o público”, por meio de sua profissionalização e a consequente qualidade da gestão.

Desburocratização
Excessivos controles, regras e exigências constituem não somente obstáculo ao desenvolvimento da atividade produtiva, mas também interferência indevida do Estado na vida dos cidadãos.
A desburocratização, visando maior liberdade e eficiência no exercício da atividade econômica, deve se orientar pelos seguintes princípios básicos: substituição de normas específicas por normas gerais; fortalecimento do papel fiscalizador do Estado no combate ao abuso do poder econômico e desrespeito ao consumidor; remoção de exigências que oneram desnecessariamente a empresa privada e o consumidor; e, melhoria dos serviços públicos e de atendimento à população.

Desestatização
A redefinição da atuação do Estado, restringindo o investimento estatal às áreas prioritárias, constitui instrumento de redução da dívida pública, concorrendo, assim, para o saneamento financeiro das contas governamentais.
O aumento da eficiência administrativa e produtiva e a realização de novos investimentos criam, por certo, condições para o mercado aumentar a oferta de insumos básicos a preços menores.
Esse processo engloba prioritariamente a concessão ao setor privado da exploração de serviços públicos e execução de obras públicas, devidamente regulamentadas pela lei.
Por outro lado, é fundamental resgatar o caráter público das empresas estatais que, de fato, constituem-se como necessárias às políticas de governo. Para tanto, é preciso reforçar o controle sobre a estratégia global da empresa, de forma a cumprir os objetivos nacionais, mas liberando-as do monitoramento de curto prazo e da demasiada ingerência política. Somente assim elas terão liberdade gerencial para alcançar as metas de rentabilidade, produtividade, endividamento e investimento fixados pelos interesses globais do país.

III – PRIORIDADES PARA A RECONSTRUÇÃO NACIONAL
Reestruturação Competitiva da Economia
A retração dos investimentos produtivos contribui para acelerar a deterioração da competitividade da economia brasileira, estimulando movimentos especulativos e de elevação das margens de lucro, o que amplia os desequilíbrios macroeconômicos, aumenta a ineficiência dos processos produtivos e a iniquidade distributiva.
Do mesmo modo, na ausência de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e à busca de ganhos de produtividade, a manutenção de margens elevadas depende da prática de salários baixos e do uso predatório de recursos naturais.
O cerne da estratégia, tendo como objetivo maior a melhoria da qualidade de vida da população brasileira, deve ser a busca do aumento progressivo da competitividade da economia, e os caminhos a seguir devem observar as seguintes premissas: os desafios de modernização e elevação da competitividade exigem transformações estruturais importantes em todo o sistema econômico e não apenas nesse ou naquele setor; a desburocratização; o incremento na capacitação científica e tecnológica interna e a melhoria na formação de recursos humanos são elementos indispensáveis ao processo de modernização.

Indústria
São necessárias ações específicas visando à redução do custo dos investimentos, à promoção das exportações, à capacitação tecnológica e ao apoio ao incremento da qualidade e produtividade das empresas.
Nesse contexto, o aumento da oferta de infraestrutura e logística adequadas e eficientes torna-se fundamental.
Do mesmo modo, a abertura completa do mercado faz-se necessária, na medida em que, hoje, a indústria de ponta se organiza em cadeias globais, nas quais o Brasil precisa se inserir definitivamente. Fora dessa concepção, a indústria não alcançará escala para crescer.
Assim, se esse processo for bem desenvolvido, ganham a indústria e o mercado interno, que passará a ter acesso a produtos melhores e mais baratos.
Aliadas a esses parâmetros, é urgente a consecução de uma reforma tributária que promova a simplificação e eliminação da cumulatividade tributária, a unificação do ICMS e a convalidação de benefícios estaduais. 

Agricultura
Apesar de sofrer com a péssima infraestrutura, o setor apresenta intensa modernização dos segmentos tipicamente exportadores, não acompanhada por aqueles voltados para o cultivo de alimentos básicos. Esse fato aprofunda o processo de concentração fundiária e agrava as disparidades regionais e o desequilíbrio do mercado de trabalho rural.
É necessário privilegiar o processo de verticalização produtiva, promover integração inter-setorial e elevar a produtividade e competitividade do pequeno produtor. Deve ser priorizada a produção de alimentos, com incentivo ao financiamento privado da produção e comercialização dos produtos agrícolas, com incremento da atividade estatal de inspeção e fiscalização, especialmente quanto ao uso sustentável dos recursos naturais e quanto à qualidade e sanidade dos produtos.
Para o grande produtor, há de se tratar com prioridade a questão da verticalização e descomoditização. Do mesmo modo, é necessário criar política de redução de preços dos insumos agrícolas, fertilizantes e defensivos, hoje de uso restritivo por produtores de todos os portes.

Infraestrutura Econômica
A retomada do desenvolvimento baseado em novo padrão de competitividade requer a oferta de energia, transportes e telecomunicações em condições de custo, tecnologia e qualidade compatíveis com a inserção bem sucedida do Brasil na economia global e com o aumento do bem estar de seus cidadãos.
A ampliação e a modernização da infraestrutura devem visar o aumento da eficiência, o que demanda a abertura de mais espaços à atuação do capital privado. Tal objetivo só se tornará alcançável com o saneamento financeiro das empresas estatais, a diminuição das assimetrias fiscais e a redução do risco regulatório, principalmente por intermédio de uma política de preços e tarifas realista e estável.

Energia
A intervenção do Estado, quando necessária para o aumento da eficiência na produção e no uso da energia e para a realização do potencial das fontes energéticas de que dispõe o País, não deve implicar crescimento do risco regulatório ou distorção dos preços relativos dos energéticos, de forma a criar e preservar o ambiente propício para atração do capital privado.
Os impactos socioambientais deverão ser considerados na avaliação de quaisquer projetos, estimulando o desenvolvimento de tecnologias que preservem o meio ambiente, principalmente no que diz respeito à redução das emissões de gases do efeito estufa, com ênfase nos programas de conservação e racionalização da produção e do uso de energia.

Transporte
A infraestrutura de transporte, tanto de passageiros quanto de carga, necessita de urgente ampliação e modernização para superar os gargalos de logística, que afligem à população e obstaculizam as atividades econômicas. Busca-se, assim, reduzir custos, aumentar a capacidade e garantir a liberdade de circulação e de escolha de modais pelos usuários. Isso deve ser feito em regime de livre competição e de forma articulada com as políticas energética, industrial, agrícola, tecnológica e de meio ambiente.
A ampliação e a modernização da infraestrutura de transporte exige a desregulamentação dos serviços, incentivando a economia de mercado e a multimodalidade, e o estímulo à participação privada na exploração dos serviços.

Telecomunicações
Devem ser reduzidas as barreiras de entrada para obter o aumento da concorrência entre as empresas de telecomunicações, com a consequente melhoria da qualidade e redução do preço dos serviços prestados à população, em especial, nas regiões interioranas e na periferia dos grandes centros urbanos.
Deve ser universalizado o acesso à Rede Mundial de Computadores (internet), em bases fixa e móvel, com nível de velocidade de conexão semelhante ao dos países centrais, de forma a possibilitar o desenvolvimento de novas ferramentas para a realização de atividades empresariais, educacionais e de gestão pública, entre outras.

Ciência e Tecnologia
O desenvolvimento científico e tecnológico do País desempenha papel central no seu padrão de desenvolvimento. Só o permanente aperfeiçoamento tecnológico do sistema produtivo nacional poderá assegurar a competitividade dos produtos brasileiros no contexto da evolução técnico-científica.
Há necessidade de constituir capacidade de inovação no sistema produtivo, a qual deve estar associada a um amplo e articulado esforço de difusão, com o duplo objetivo de elevar o padrão tecnológico médio da estrutura produtiva, reduzindo seus níveis de heterogeneidade inter e intra-setorial, e de constituir fonte adicional de estímulo à continuidade do processo de inovação.
O projeto de modernização e capacitação tecnológica guarda forte interdependência com o sistema educacional, sobretudo no que tange às políticas de formação de recursos humanos e de ensino técnico e de pós-graduação. Cabe ainda fortalecer os vínculos do trabalho técnico-científico com as demandas dos seus potenciais usuários, pois os processos de industrialização e de introdução de novas tecnologias têm ocorrido de maneira dissociada das orientações e esforços desenvolvidos pelas universidades e institutos de pesquisa.
É de se destacar que a produção científica brasileira tem aumentado significativamente nos últimos anos. Porém, não ocorre transferência desse conhecimento ao setor produtivo. Por isso, o Brasil gera poucas patentes em comparação aos países com produção científica semelhante.

Educação
O planejamento e a administração da educação no Brasil devem se assentar no princípio segundo o qual ela se constitui em direito de todos e dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade.
A apropriação de conhecimentos científicos e tecnológicos, ao lado de sua finalidade produtiva, deve constituir-se em instrumento de modernização cultural e social do país. Sob esse prisma, exige-se do setor educacional a necessária qualificação dos recursos humanos, com a adoção do princípio da meritocracia, para fazer frente aos desafios não só da modernidade produtiva, mas principalmente no desenvolvimento do potencial humano, artístico, esportivo, cultural e técnico de cada aluno.

O Papel do Governo na Educação
A educação é uma das áreas onde a presença do Estado é fundamental e imprescindível. À iniciativa privada cabe papel complementar importante, mas que nunca será desempenhado a contento se não houver, por parte do setor público, uma oferta educacional, de tempo integral no ensino fundamental e médio, adequada à demanda da população, às necessidades do sistema econômico e ao desenvolvimento dos potenciais individuais.
A definição de esquemas de cooperação institucional entre as três esferas de governo é fundamental para se buscar, conjunta e coordenadamente, alternativas para melhorar o padrão de organização, eficiência e qualidade da educação.

Relações entre Capital e Trabalho
O mercado de trabalho formal no Brasil tem sido regulado por um arcabouço legal e institucional expresso na CLT, na organização sindical confederativa e na Justiça do Trabalho, observando-se uma intervenção tutelar do Estado sobre as relações entre capital e trabalho com consequências danosas tanto no plano político como no econômico.
Como o recurso à instauração do dissídio coletivo foi estimulado durante décadas, o dirigente sindical acaba transferindo a decisão ao Estado, através da Justiça do Trabalho, operando-se uma cadeia transmissora de majorações salariais e de preços que não mantêm qualquer compromisso com a estabilidade macroeconômica.
Um novo estatuto do trabalhador deve circunscrever-se a regular os direitos essenciais do empregado, deixando-se para a negociação coletiva, respeitada a conjuntura setorial, a determinação das demais condições de contratação, garantindo-se, desse modo, maior flexibilidade nos diversos segmentos do mercado de trabalho.
Novos mecanismos de negociação coletiva, que privilegiem a solução dos naturais conflitos entre capital e trabalho mediante a negociação direta devem ser estimulados. Nesse sentido, a Justiça do Trabalho deverá se encarregar dos conflitos de direito, só sendo requisitada a intervir nos conflitos de interesse, de natureza eminentemente econômica, quando as partes já tiverem esgotado, sem solução satisfatória, todas as alternativas de negociação.
Daí a importância também de estimular a criação, disseminação e uso dos instrumentos de mediação, conciliação e arbitragem. Mas deixo claro: a lei estará sempre em primeiro lugar.

Meio Ambiente
Promover o desenvolvimento de tecnologias ambientalmente sadias, em especial aquelas voltadas para a geração e uso eficiente de energia, a redução da emissão de gases de efeito estufa e o melhor aproveitamento dos recursos naturais.
As práticas agrícolas devem ser estimuladas a adotar métodos orgânicos de agricultura regenerativa e o desenvolvimento da biotecnologia deverá ser condicionado a uma orientação ecológica e social.
Além disso, o Brasil precisa priorizar e cumprir os compromissos internacionais assumidos em relação ao controle do desmatamento ilegal, bem como ao acordo da COP 21 (Paris/2015) relativo à emissão de gases-estufa, pelo qual os países devem trabalhar para que o aquecimento global fique abaixo de 2°C, buscando limitá-lo a 1,5°C.
Importante aspecto que entrelaça meio ambiente e serviços públicos diz respeito ao saneamento básico, cuja maximização da cobertura e oferta à população deve ser incessantemente buscada.

O Resgate da Dívida Social
O Combate à Pobreza
Os programas de distribuição de renda devem ser efetivados como política de Estado, e intensificados os instrumentos de controle e avaliação para aperfeiçoamento e adequação à conjuntura e combate às fraudes.

Política Social
Apesar dos resultados quantitativos conseguidos nos períodos de crescimento econômico acelerado, ainda se configura quadro de carências generalizadas, especialmente quanto aos serviços básicos de natureza pública. Há que se rever os métodos de gestão e avaliação das políticas sociais para evitar os problemas de pulverização e desperdício de recursos e a incorreta identificação das populações-alvo.
As políticas sociais devem ser focadas na melhoria da condição social e econômica da população, com ênfase no acesso aos serviços públicos, na educação e qualificação profissional. Um dos objetivos é destituir tais políticas do caráter eminentemente paternalista, de forma a recuperar a autonomia e autoestima da população, com sua desvinculação da dependência do Estado.
Contudo, o novo modelo econômico a ser adotado requer que as políticas sociais estejam intrinsecamente coordenadas com as políticas de responsabilidade fiscal, nos três níveis da Federação.

O Sistema de Seguridade Social
Na área de saúde reafirma-se o princípio da universalidade, com a garantia de acesso igualitário aos serviços de saúde a toda população. Da mesma forma, é direito da população a assistência social. A melhoria na prestação dos serviços das duas áreas passa necessariamente pelo desenvolvimento e articulação com outros setores, como saneamento básico e educação.
Já o sistema de Previdência Social precisa ser amplamente rediscutido para que possa ser tornado socialmente justo e financeiramente equilibrado. Entre outros, destacam-se os seguintes aspectos: alternativas de custeio capazes de assegurar a estabilidade das receitas em momentos de crise na economia; adequação do regime às características da distribuição de salários do País e ao perfil demográfico da população.
Para tanto, faz-se necessária uma reforma previdenciária estabelecendo novas regras para a concessão de aposentadoria, com adoção de critérios objetivos, como a adoção de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição e a garantia da equivalência entre contribuições pagas e benefício auferido.

A Questão Regional
Seja pela escassez de recursos, seja pela sua deficiente dotação, ou por circunstâncias históricas e políticas, o crescimento econômico não se processa homogeneamente no espaço. Para minimizar os problemas socioeconômicos decorrentes, políticas públicas devem objetivar a redução das desigualdades regionais e a melhoria da qualidade de vida de uma ampla camada da sociedade que não tem acesso às condições mínimas de sobrevivência.
O centro dessa estratégia de desenvolvimento regional fundamenta-se na expansão econômica com desenvolvimento social, através da integração de ações resultantes de investimentos multissetoriais localizados, articulando-se projetos produtivos à base econômica regional.
Além disso, o pacto federativo precisa ser rediscutido com urgência, a começar pela revisão das competências de cada ente e dos percentuais de distribuição dos recursos provenientes da arrecadação tributária.

IV – CIDADANIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Direitos Humanos
O exercício da cidadania não se limita à livre expressão de vontade política, pois compreende a afirmação da dignidade humana em todas as dimensões. A vigência dos direitos civis e políticos depende também da realização dos direitos econômicos e sociais. A plena realização dos direitos humanos não pode ser alcançada em meio à pobreza extrema. O horizonte a ser perseguido é o do desenvolvimento com justiça social.

Violência e Criminalidade
As questões relacionadas ao crescimento da violência urbana e rural existem em decorrência de causas estruturais ligadas à urbanização acelerada, ao desordenado processo de ocupação dos territórios agrícolas e, ainda, ao crescimento do crime organizado a partir do tráfico de drogas e à ausência de uma efetiva e adequada formação educacional.
No médio e longo prazos, a redução da criminalidade e violência passa pelo desenvolvimento socioeconômico, especialmente pela elevação do padrão educacional e do nível de renda da população. O sucesso nas políticas dessas duas variáveis é que vai incidir diretamente no desenvolvimento social da população mais afetada pela violência e criminalidade.
No curto prazo, a política governamental de segurança pública deve basear-se nas seguintes diretrizes:
- articulação das políticas e programas de todos os níveis de governo, em ações conjuntas que sedimentem a integração intergovernamental no tratamento da questão;
- mudanças estruturais no aparato de segurança pública, de forma a introduzir métodos, técnicas e bases filosóficas que internalizem conceitos gerenciais e éticos adequados, visando à modernização de organização e qualificação de seus recursos humanos;
- integração, em nível nacional e estadual, de informações criminais, penitenciárias e sobre violência em geral, com vistas à facilitação e agilização das ações policiais;
- modernização e maior agilidade na prestação jurisdicional nos crimes contra a vida, a segurança, a liberdade e o patrimônio.

Crianças, Adolescentes e Idosos
A constante atualização e adaptação do Estatuto da Criança e do Adolescente é salutar e necessária, desde que não se descaracterize nem modifique suas diretrizes e seus princípios básicos, comandados principalmente pela total atenção do Estado ao processo de educação, assistência, recuperação e inserção dos jovens às oportunidades de desenvolvimento pessoal.
O mesmo tratamento e prioridade devem-se dar ao Estatuto do Idoso. A população brasileira está envelhecendo rapidamente. Daí a necessidade de um esforço nacional e multidisciplinar para tratar dessa questão, desde a seguridade até a assistência social.

Populações Indígenas e Minorias
A defesa dos direitos e a preservação dos costumes e tradições das comunidades indígenas deve ser preocupação fundamental do Estado e da sociedade. A diversidade cultural é uma das principais riquezas do País. Garantir a posse da terra e promover a preservação e o desenvolvimento do patrimônio cultural indígena é dever e responsabilidade do Estado.
A mesma linha de atuação e de prioridade deve ser adotada para as Minorias, de todos os segmentos sociais, com ampla participação de entidades e organizações de defesa de cada uma das classes que as compõem, com foco no reconhecimento e na efetiva concretização de seus direitos.

Cultura
Os direitos culturais são indispensáveis ao pleno exercício da cidadania. Ela implica a fruição completa dos direitos culturais no sentido do art. 215 da Constituição, isto é, o direito à produção cultural, sem qualquer veto, censura ou aprovação prévia, e o direito à apropriação produtiva do acervo cultural existente.
Além disso, o acesso à cultura é instrumento essencial e estratégico ao desenvolvimento social da população e ao processo educacional do País.
Desporto
O desporto, direito do cidadão, é essencial ao seu desenvolvimento físico, psicológico e social, além de instrumento de promoção educacional e de elevação da qualidade de vida e deve ser reconhecido como um serviço indispensável à comunidade.
Há de se considerar também o desporto como instrumento de combate às drogas e  marginalização de crianças e adolescentes, na medida em que desperta expectativas e bem-estar social longe de ambientes nocivos. 

Defesa da Concorrência e Defesa do Consumidor
A defesa da concorrência e a defesa do consumidor refletem uma dimensão importante do Estado moderno, que é a preocupação em regular as atividades econômicas privadas procurando compatibilizar, por um lado, o incentivo à concorrência, ao desenvolvimento tecnológico, ao aumento da produtividade e da produção e, por outro lado, o bem-estar do cidadão-consumidor e o funcionamento da economia em bases saudáveis, refratárias a restrições e barreiras artificiais.
O acesso da população a produtos de boa qualidade e a preços acessíveis, a oferta de emprego compatível com as exigências do mercado de trabalho, a inserção da economia brasileira em condições competitivas no mercado internacional, são todas metas que dependem de um arcabouço legal e institucional moderno de defesa econômica.

V – O BRASIL NO CENÁRIO INTERNACIONAL
Política Externa
Não há projeto nacional viável para o Brasil sem vinculação eficaz com o mundo. Esta eficácia depende, sobretudo, da credibilidade do País, por meioda previsibilidade e segurança jurídica, o que torna a diplomacia instrumento indispensável para materializar as aspirações nacionais, quer no plano econômico, quer no plano político.
No plano econômico, trata-se de aproveitar as perspectivas presentes no cenário externo para promover a inserção e a modernização da economia brasileira. No plano político, trata-se de contribuir para a paz e projetar no relacionamento externo os valores democráticos e de observância das normas de Direito que regem nossa sociedade.
A vocação para a universalidade constitui a característica básica da inserção do Brasil no cenário internacional. Essa vocação repousa sobre a observação factual de que o País tem interesses de cooperação externa, distribuídos por parceiros de todos os continentes. Repousa ainda sobre a consciência de que, em um mundo marcado pela interdependência e globalização das atividades produtivas, prescindir das oportunidades oferecidas pela convivência internacional significa condenar o Brasil à estagnação e à obsolescência.
No fim dos anos 1990, o fim da Guerra Fria e da rígida configuração bipolar levaram a uma flexibilização das fronteiras comerciais e a um impulso da globalização. Aumentou consideravelmente a competição nos mercados internacionais, em que se tornaram maiores as dificuldades de um país concorrer individualmente. Ao assinar o Tratado de Assunção que criou o Mercosul, tínhamos em mente a estratégia de desenvolver um espaço econômico mais amplo, mais forte e competitivo.
As transformações do sistema internacional são hoje também muito abrangentes. A negociação de dois megablocos comerciais, a  Parceria Transpacífico entre os EUA e países asiáticos, e a Iniciativa Transatlântica, entre os EUA e a Europa, abrangem a maior parte da economia internacional. A China, de sua parte, tem aumentado seus laços na Ásia, consolidando sua esfera de influência, além de fazer maciços investimentos na África e mesmo na América Latina, em busca de garantir o fornecimento de matérias primas e o acesso a mercados.
Esses mega-acordos estão estabelecendo também regras em diversas áreas, como propriedade intelectual, meio ambiente, relações trabalhistas e investimentos. São normas de cuja elaboração não participamos nem influenciamos, mas às quais fatalmente nos submeteremos. O Brasil escolheu dar prioridade às negociações da Rodada Doha e não negociar acordos comerciais. Com a OMC caminhando para a obsolescência, deixada de lado pelos amplos novos acordos, nosso País vê frustrada essa opção de sua diplomacia. De outra parte, a análise que considerava que os países emergentes seriam os grandes catalisadores da economia mundial mostrou-se açodada.
Verifica-se que, a exemplo do que se temia há 26 anos, o Brasil tem diminuída sua margem de manobra no plano econômico internacional. Torna-se necessária uma reformulação do Mercosul, aproveitando as atuais orientações econômicas e as iniciativas do Governo argentino de voltar ao mercado financeiro internacional, do qual se achava afastado desde o default de 2001. Ações com viés ideológico no âmbito do Mercosul minaram sua credibilidade. O bloco, reformulado, precisa dar impulso a negociações bilaterais e com os megaespaços comerciais. Assim, a diplomacia brasileira deve retomar suas atividades de promoção comercial que foram abandonadas nos últimos anos, substituídas por atuações de caráter ideológico. O realismo e o bom senso indicam que esses são os únicos caminhos viáveis e que há urgência em buscá-los.
Portanto, as ações da política externa brasileira necessitam, antes de tudo, de menos ideologia política e mais pragmatismo comercial. Como exigem hoje as grandes correntes do comércio mundial, precisamos de uma política externa muito clara e objetiva, priorizando os acordos multilaterais sem deixar de revisar os destinos do Mercosul e sua inserção como parceiro dos grandes blocos econômicos.
Somente assim, o Brasil será capaz de retomar sua liderança do subcontinente e seu protagonismo mundial.

Defesa Nacional
Em que pese o impacto do desenvolvimento da ciência e da tecnologia sobre o relacionamento humano e sobre a vida das nações, em futuro previsível, é improvável que as mudanças decorrentes venham a criar estruturas políticas que tornem prescindível a capacidade militar. Nesse cenário, as Forças Armadas brasileiras devem orientar seu preparo de modo a enfatizar a profissionalização e a prontidão operativa, o desempenho tecnológico e a mobilidade.
O preparo assim delineado exige desenvolvimento de tecnologias adequadas e a evolução de doutrinas e procedimentos herdados do passado histórico e das experiências recentes. Deve ainda ter por propósitos, em estrita consonância com a Constituição e as leis, a dissuasão de ameaças à integridade e soberania nacionais, o apoio à lei e à ordem no território e nos espaços sob jurisdição brasileira, em questões que transcendam a missão e a capacitação dos sistemas policiais, e a contribuição à ordem internacional, em cooperação e sob mandado internacional.
O amplo espectro de missões e responsabilidades daí decorrentes exige que seja intensificada a integração entre as Forças Singulares de modo a facilitar e desenvolver a capacidade de operação conjunta, com especial foco na inteligência militar, na padronização de processos e equipamentos e no desenvolvimento dos instrumentos de guerra eletrônica.
Por outro lado, a sociedade brasileira precisa ser conscientizada da importância dos assuntos de defesa e que esta é um dever de todos. Nesse sentido, a sociedade deve ser integrada nas ações de defesa dos interesses nacionais, mediante o incentivo ao estudo do tema no meio civil, de forma a difundir o conhecimento e contribuir para a preservação da coesão e unidade nacionais.

Brasília, abril de 2016.

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