sábado, 12 de dezembro de 2015

Eduardo Cunha salva subconsciência esquerdista

Sérgio Malbergier

Eduardo Cunha é a salvação da esquerda ingênua ou crente. O papel do indefensável presidente da Câmara no processo de impeachment tornou-se o único argumento palatável de defesa de Dilma para aquela zona cinzenta, antes vermelha, de esquerdistas que não conseguem mais se assumir petistas, dadas as evidências, mas seguem envergonhada e subconscientemente apoiando este desgoverno, apesar das evidências.

A crença socialista, afinal, é muito forte, religiosa. Trata os fatos como manifestação do que acredita, não como fatos. Assim, o fato de a grande maioria dos brasileiros estar indignada com um governo incompetente e corrupto e querer o seu fim antes que ele acabe com o que resta do Brasil é uma afronta à democracia. Não é.
E não fosse a lerdeza da investigação dos políticos na Lava Jato (na outra ponta, a operação já condenou 58 réus a mais de 680 anos de prisão), Cunha não estaria comandando esse processo.

A carta dos autointitulados artistas e intelectuais contra o impeachment é uma breve demonstração dessa cegueira religiosa e messiânica que sempre marcou a esquerda, especialmente a sul-americana (a europeia tinha pretensões mais científicas e intelectuais). Vale a leitura, até porque, feita para as redes, é ligeira e rasa, como seu argumento.

O único ponto da "Carta ao Brasil" é o de que o impeachment ameaça a democracia e deve ser repelido. Obviamente, não há nada de antidemocrático no processo, previsto na Constituição, tocado pelo Congresso democraticamente eleito e agora devidamente escrutinado e balizado pelo Supremo Tribunal Federal.

Mais importante do que os signatários da carta, são seus não-signatários. O alto escalão das artes e da intelectualidade se absteve olimpicamente. Do primeiro time, apenas Chico Buarque entrou na jogada. Podemos —devemos— discordar de Chico, mas ele pelo menos mostra a cara em momento tão importante.

O atual ciclo político da esquerda sul-americana começou em 1999 na Venezuela com o messiânico Hugo Chávez. Depois vieram, em diferentes tons de vermelho, Kirchner, Tabaré, Lula, Morales, Correa. Todos surfaram na onda de prosperidade capitalista que varreu o mundo neste século até o crash de 2008. A exuberância consumista capitalista, baseada na exploração dos proletários chineses pelo Partido Comunista, gerou, entre outros benefícios, o superciclo de commodities que valorizou os principais produtos de exportação dos países sob o socialismo sul-americano do século 21.

Chávez, por exemplo, estava sentado em reservas monumentais de petróleo no pico de sua valorização e faturou centenas de bilhões de dólares exportando para os EUA, "o grande Satã", seu maior cliente.

Foi com esse dinheiro que se financiou na região um assistencialismo populista que não fez quase nada para elevar a capacidade produtiva (de gerar riqueza) desses países. Por isso, agora que as commodities afundam, seus governos caem como repúblicas soviéticas.

Duas semanas depois da vitória da oposição na Argentina, a derrota do chavismo nas eleições de domingo na Venezuela foi estrondosa. Isso apesar do regime autoritário que prendeu opositores, censurou a imprensa, manipulou o Judiciário e fez o diabo na campanha.
O superciclo da esquerda na América do Sul está chegando ao fim. O socialismo do século 21 não sobreviverá à sua segunda década.

Se o justo, constitucional e necessário processo de impeachment terminar com a vitória do governo, teremos mais três anos de Dilma e poderemos ser, mais uma vez, o último país a virar a página da história, como fomos o último a abolir a escravidão e a derrubar a ditadura militar na região.

O Brasil é lento. 2015 parece uma década. Será que o país aguenta mais três anos?

Folha de São Paulo


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