quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Quem controla o mundo ? O segredo da economia global

James Glattfelder

James Glattfelder explica um estudo inovador de como o controle flui através da economia global, e como a concentração de poder nas mãos de um grupo surpreendentemente pequeno nos deixa todos muito vulneráveis.

Glattfelder nos oferece aqui uma compreensão muito rica e cheia de dados a respeito das pessoas e das interações que controlam hoje a economia global.

Pesquisador de um fundo suíço de investimentos, e também apaixonado estudioso de física teórica, James B. Glattfelder ficou intrigado com o nível de compreensão que temos em relação ao mundo físico e ao universo ao redor de nós. E pensou: poderemos alcançar um conhecimento similar em termos de sociedade humana?
Essa questão o levou ao estudo dos sistemas complexos, assunto do qual possui hoje um doutorado obtido no Swiss Federal Institute of Technology.

Tradução integral da conferência de James Glattfelder:

“Quem controla o mundo”

“Quando a crise veio, as sérias limitações nos modelos econômicos e financeiros existentes vieram à tona imediatamente.” “Há também uma forte crença, na qual também acredito, de que uma economia ruim ou excessivamente simples e confiante ajudou a criar a crise.”

Agora, vocês todos provavelmente ouviram uma crítica parecida, vinda de pessoas que não acreditam no capitalismo. Mas isto é diferente. Isto está vindo do centro das finanças. A primeira frase é de Jean-Claude Trichet, quando ele foi o governante do Banco Central Europeu. A segunda, é do chefe do Financial Services Authority do Reino Unido. Será que essas pessoas estão querendo dizer que nós não entendemos os sistemas econômicos que dirigem nossas sociedades modernas? Ainda pior. “Nós gastamos bilhões de dólares tentando entender as origens do universo, mas ainda não entendemos as condições para uma sociedade estável, uma economia que funcione, ou a paz.”

O que está acontecendo aqui? Como isso é possível? Nós entendemos mesmo mais sobre o que forma a realidade do que entendemos sobre o que forma e emerge de nossas interações humanas? Infelizmente, a resposta é sim. Mas existe uma solução intrigante vinda do que é conhecido como a ciência da complexidade.
Para explicar o que isto significa, por favor, deixem-me rapidamente recuar alguns passos. Eu acabei estudando física por acaso. Foi um encontro fortuito quando eu era jovem e, desde então, sempre me perguntei sobre o sucesso incrível da física em descrever a realidade em que acordamos todos os dias. Em poucas palavras, você pode pensar em física da seguinte maneira:você pega um pedaço da realidade e o traduz para a matemática. Você o codifica em equações. Daí, previsões podem ser feitas e testadas. Nós temos muita sorte que isso funcione, porque ninguém sabe mesmo por que os pensamentos em nossas cabeças deveriam realmente estar relacionados com o funcionamento essencial do universo. Apesar do sucesso, a física tem seus limites. Como disse o Dirk Helbing na última frase, nós não entendemos realmente a complexidade que se relaciona conosco, que nos cerca. Este paradoxo é o que me deixou interessado em sistemas complexos. Então, estes sistemas são compostos de muitas partes interligadas ou que interagem: bandos de pássaros ou peixes, colônias de formigas, ecossistemas, cérebros, mercados financeiros. Estes são apenas alguns exemplos. Curiosamente, sistemas complexos são muito difíceis de ser transformados em equações matemáticas, logo, a abordagem usual da física não funciona aqui.

Então, o que sabemos sobre sistemas complexos? Bem, acontece que o que parece comportamento complexo, observado de fora, é realmente o resultado de algumas regras simples de interação. Isso significa que você pode esquecer as equações e começar a entender o sistema observando as interações, portanto, você pode mesmo esquecer as equações e começar a observar só as interações. E ainda melhora, porque a maioria dos sistemas complexos tem uma característica incrível chamada emersão. E isso significa que o sistema como um todo de repente começa a mostrar um comportamento que não pode ser entendido ou previsto só pela observação dos elementos do sistema. Então o todo é literalmente mais do que soma de suas partes. E tudo isso também significa que você pode esquecer as partes individuais do sistema, o quanto são complexas. Então, se é uma célula, ou um cupim ou um pássaro, você só focaliza as regras de interação.

Como resultado, redes são representações ideais de sistemas complexos. Os nódulos na rede são as partes do sistema e as ligações são dadas pelas interações. Então o que as equações são para física, as redes complexas são para o estudo de sistemas complexos.

Esta abordagem tem sido aplicada com muito sucesso a muitos sistemas complexos em física, biologia, ciência de computadores, ciências sociais, mas, e a economia? Onde estão as redes econômicas? Esta é uma lacuna que surpreende e sobressai na literatura. O estudo que publicamos ano passado, chamado “A Rede de Controle Corporativo Global”, foi a primeira análise extensiva de redes econômicas. O estudo se espalhou na Internet e atraiu muita atenção da mídia internacional. Isto é notável porque, novamente, por que ninguém observou isto antes? Dados parecidos já existem há um bom tempo.

O que vimos em detalhe foram as redes de posse. Então aqui os nódulos são companhias, pessoas, governos, fundações, etc. E as ligações representam as relações acionárias. O acionista X tem uma parte das ações. E nós também damos um valor para a companhia, determinado pela receita operacional. Então, redes acionárias mostram os padrões de relações acionárias. Neste pequeno exemplo, vocês podem ver algumas instituições financeiras com algumas das muitas relações marcadas.

Agora vocês podem pensar que ninguém observou isto antes porque redes acionárias são muito, muito chatas de se estudar. Bem, já que a posse é relacionada ao controle, como vou explicar mais tarde, observar as redes acionárias pode mesmo trazer respostas para perguntas como: quem são os principais jogadores? Como eles estão organizados? Eles estão isolados? Eles estão interconectados? E qual é a distribuição geral do controle?

Em outras palavras, quem controla o mundo? Eu acho que esta é uma pergunta interessante.
E que tem implicações no risco sistêmico. Essa é uma medida do quão vulnerável é um sistema em geral. Um nível alto de interconectividade pode ser ruim para a estabilidade, porque daí o estresse pode se espalhar pelo sistema como uma epidemia.

Cientistas, às vezes, criticaram economistas que acreditam que ideias e conceitos são mais importantes do que dados empíricos, porque a diretriz fundamental da ciência é: Deixe a informação falar. Ok. Vamos fazer isso.
Então nós começamos um banco de dados que contém 13 milhões de relações acionárias de 2007. Isto é muita informação, e porque nós queríamos descobrir quem rege o mundo, nós decidimos nos concentrar em corporações transnacionais, ou CTNs, quando abreviado. Estas são companhias que operam em mais de um país, e nós encontramos 43.000. No próximo passo, nós construímos a rede em volta dessas companhias, então pegamos todos os acionistas das CTNs e os acionistas dos acionistas, etc., subindo até o topo, e também fizemos o mesmo descendo, e o resultado foi uma rede com 600.000 nódulos e um milhão de conexões. Esta é a rede de CTN que analisamos.

E acabou sendo estruturada da seguinte forma. Então você tem uma periferia e um centro que contém por volta de 75 por cento de todos os participantes, e no centro há este núcleo minúsculo mas dominante, que é formado por companhias altamente interconectadas. Para dar-lhe uma ideia melhor, pense em uma área metropolitana. Então, você tem os subúrbios e as periferias, você tem um centro, como o distrito financeiro, e o núcleo vai ser algo como o prédio mais alto no centro. E nós já vemos os sinais de organização acontecendo aqui.Trinta e seis por cento das CTNs estão só no núcleo, mas elas formam 95 por cento da receita operacional total de todas as CTNs.

Ok, então agora que analisamos a estrutura, como isso está relacionado ao controle? Bem, posse dá direito de voto aos acionistas. Esta é a noção comum de controle. E existem modelos diferentes que lhe permitem calcular o controle que você tem como acionista. Se você tem mais de 50 por cento das ações em uma companhia, você tem controle, mas, normalmente depende da distribuição relativa das ações. E a rede faz muita diferença. Por volta de 10 anos atrás, o senhor Tronchetti Provera era acionista e tinha controle de uma pequena empresa, que era acionista e tinha controle de uma empresa maior. Você entendeu a ideia. Isto acabou lhe dando controle na Telecom Itália com poder de influência de 26. Então isto quer dizer que, com cada euro que ele investiu, ele conseguiu mover 26 euros de valor de mercado, através da cadeia de relações de posse.

Agora o que realmente calculamos no nosso estudo foi o controle sobre o valor das TNCs. Isso nos permitiu atribuir um grau de influência a cada acionista. Isso é bem no sentido da ideia de poder potencial, de Max Weber, que é a probabilidade de impor sua vontade própria apesar da oposição dos outros.

Se você quer calcular o fluxo em uma rede de posse, aqui está o que você tem que fazer. Na verdade não é muito difícil de entender. Deixem-me explicar com esta analogia. Pensem em água fluindo em canos e os canos têm espessuras diferentes. Da mesma forma, o controle está fluindo na rede de posses e está se acumulando nos nódulos. Então o que encontramos depois de calcular toda esta rede de controle? Bem, acontece que os 737 principais acionistas têm o potencial de coletivamente controlar 80 por cento do valor das CNTs. Agora, lembre-se, nós começamos com 600.000 nódulos, então estes 737 principais acionistas formam um pouco mais que 0.1 por cento. Eles são, na maioria, instituições financeiras nos EUA e Reino Unido. E ainda fica mais radical. Existem 146 acionistas no núcleo, e eles têm coletivamente o potencial de controlar 40 por cento do valor das CTNs.

O que você deve entender com isso? Bem, o alto grau de controle que você viu é muito extremo em qualquer padrão. O alto grau de interconexão dos acionistas principais no núcleo poderia representar um risco sistêmico significativo na economia global e nós poderíamos reproduzir facilmente a rede CTN com algumas regras simples. Isto significa que sua estrutura é provavelmente o resultado de organização própria. É uma propriedade emergente que depende das regras de interação do sistema, então provavelmente não é o resultado de uma abordagem do topo à base como uma conspiração global.

Nosso estudo “é uma impressão da superfície da Lua. Não é um mapa de ruas.” Então você teria que pegar os números exatos do nosso estudo, com ressalvas, mas ainda assim ele “nos deu uma pequena amostra de um admirável mundo novo das finanças.” Nós esperamos ter aberto as portas para mais estudos nessa direção, para que o restante do terreno desconhecido seja traçado no futuro. E devagar isto está começando. Nós estamos vendo o aparecimento de programas a longo prazo e altamente financiados que buscam entender nosso mundo de redes de um ponto de vista complexo. Mas esta viagem está apenas começando. Então, teremos que esperar antes de ver os primeiros resultados.

Agora, na minha opinião, ainda há um grande problema. Ideias relacionadas com finanças, economia, política, sociedade são muitas vezes contaminadas pelas ideologias pessoais das pessoas. Eu espero muito que esta perspectiva de complexidade permita que se encontre um ponto em comum. Seria fantástico se tivesse o poder de ajudar a acabar com o impasse criado por ideias conflitantes que parecem estar paralisando o nosso mundo globalizado. A realidade é tão complexa, nós temos que nos afastar do dogma. Mas isto é só minha ideologia pessoal.”

Verdade Mundial

Nenhum comentário: