quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Quatro acadêmicos e o Brasil invertebrado

Hélio Duque

Em 1921, o filósofo espanhol José Ortega y Gasset analisava a enfermidade e a dissolução de valores na sociedade ibérica. Sintetizou sua angústia alertando ser fundamental o abandono de uma vida contemplativa, construindo em seu lugar uma vida ativa. Lançava o livro “Espanha Invertebrada”, destacando não existir uma proposta comum para a cidadania.

A “invertebración” espanhola impedia debate sobre os rumos e futuro de nação, inexistindo um projeto para encarar de frente a saída para os mastodômicos problemas que afetavam a vida do seu povo. Ortega y Gasset destacava que uma sociedade míope agrava a enfermidade pública, prestigiando políticos pouco virtuosos que impõem as suas vontades e interesses em detrimento dos verdadeiros valores nacionais.

Neste final de 2015, falta entre nós um livro que poderia ser “Brasil Invertebrado”, calcado na obra clássica de Ortega y Gasset. Na sua falta, de maneira esparsa, inúmeros estudiosos brasileiros vem publicando artigos e análises, onde a invertebração da sociedade é destacada e a crise política, econômica e social ganha dimensão própria. Transcreverei algumas dessas observações extraídas de importantes textos, nominando os seus autores. São, a exemplo do autor espanhol, brasileiros angustiados com os descaminhos de vida nacional.

1) O ex-ministro e professor João Sayad, da Faculdade de Economia e Administração da USP: “A democracia ameaça a República se for dominada pela demagogia, por eleitores mal informados. Não há República sem homens virtuosos: honestos defensores do interesse público e corajosos. A República pode se tornar tirania. República e democracia procuram um equilíbrio delicado. A República vai mal. Falta virtude. Como tornar os homens públicos virtuosos? Deveriam ler os clássicos – Cícero, Catão, Platão, Aristóteles. Só assim homens virtuosos poderiam se candidatar sem ter que jantar escondido com financiadores de currículo duvidosos” (Valor Econômico, 15-9-2015).

2) Professor e diretor do Instituto de Políticas Públicas da UNESP, Marco Aurélio Nogueira: “A política ficou submetida ao mercado e a representação perdeu substância. A fragmentação e a falta de operacionalidade do sistema político fazem com que a democracia, em alguns países, fique bloqueada e, em outros, passe a ser alimentada por doses expressivas de corrupção e  ilicitude. Neste ambiente, os governos e a classe política pioram dramaticamente seu desempenho e deixam suas comunidades sem muitas saídas.” (O Estado de S.Paulo, 26-09-2015).

3) Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor  da UFRJ, o economista Armando Castelar Pinheiro: “Um Estado grande, ineficiente e intrusivo é um grande peso para o setor privado e um freio ao crescimento econômico. E sem crescimento não há emprego, nem é possível arrecadar impostos. Não há gasto público que compense o desemprego em alta e os salários em baixa. Vamos ver isso neste e no próximo ano.” (Valor, 2-10-215).

4) O professor José Álvaro Moisés, diretor do núcleo de pesquisas de políticas públicas da USP: “O sistema partidário brasileiro tem algo de paradoxal: além de sua perturbadora fragmentação e da constante troca de legendas por parlamentares, os partidos são chamados a garantir a governabilidade do País no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma importância à sua conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não tem preferência partidária e não querem filiar-se. O que conta não é o que os partidos significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os dirigentes – que em muitos casos se perpetuam na direção das legendas - conquistem ou mantenham posições de poder.” (O Estado de S.Paulo, 24-8-2015).

Dispensável comentar os notáveis pensamentos expressados, em momento oportuno, pelos quatro acadêmicos. Neles ficam retratados os momentos adversos que estamos vivendo. A crise política é a matriz geradora dos descaminhos éticos, morais e econômicos. A ética da credibilidade e a ética da responsabilidade, tão bem definidas por Max Weber, estão sendo abastardadas e violentadas no Brasil contemporâneo. É neste cenário de horror que a invertebração frequenta o cotidiano dos governistas e da maioria dos oposicionistas no atual momento político brasileiro. Tornaram-se inconfiáveis para a maioria da população, como  atestam as pesquisas recentes.

Helio Duque 




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