sábado, 15 de agosto de 2015

A Amazônia, o General e o Boto

Alfredo Lopes

É curioso lembrar que o projeto Zona Franca, um modelo que a Constituição de 1946 já havia desenhado para reduzir as desigualdades regionais entre Sudeste e Norte/Nordeste - com a adoção de mecanismos de renúncia fiscal - dormia na gaveta do descaso federal há 10 anos, e só voltou à tona em 1967, pela necessidade de "deter a cobiça internacional."

A refinaria instalada em Manaus pela dupla Moysés Israel e Isaac Sabba mostrou a importância do setor privado na mobilização das ações públicas complementares. De quebra, o continente estava fervendo com os conflitos esfarrapados da guerra fria entre Moscou e Washington, convivendo com as pretensões explícitas de corporações estrangeiras de acesso e posse da biodiversidade e recursos minerais. E o Brasil, reativo como sempre, criou a ZFM, sob a ideologia do “integrar para não entregar”, como dizia o slogan do governo militar.

Na semana passada, entre graves alertas para o descaso crônico da União, na reunião com as entidades do setor produtivo, a convite da FIEAM, o general Theóphilo de Oliveira destacou a necessidade de convidar os cientistas estrangeiros para enfrentar a obviedade dos promissores desafios. A paranoia da cobiça deu lugar à partilha de saber e fazer, num mundo sem fronteiras e carente de sólidas parcerias para fazer da pesquisa opções de prosperidade com projetos não predatórios, eficazes na promoção humana e no combate à sinistra economia do tráfico.

E o que é o Pró-Amazônia do general além desta percepção das potencialidades que ultrapassam US$ 4 trilhões? Aqui resiste o aquífero Içá-Solimões, algumas vezes maior que o segundo maior do Brasil, também situado na Amazônia, Alter-do-Chão, dizem estudos avançados da Geologia da USP. E a água se tornou o bem natural mais precioso do terceiro milênio.

Mas não é só de água que a Amazônia afoga a omissa do governo do Brasil. Seus minerais preciosos, estratégicos, vitais para, entre mil e uma utilidades, fertilizar a produção de alimentos; o banco genético para a nutracêutica, dermocosmética, piscicultura, fitoterapia e a medicina holística... sugerem que o Brasil continua marcando passo porque quer ou por inc ompetência gerencial. Sem infraestrutura de transporte rápida e adequada, banda larga civilizada e fontes inteligentes de energia, entretanto, essa riqueza e nada se equivalem.

Gilberto Mestrinho deixou algumas lições com a autoridade de Boto Navegador, identificado com os mistérios da Hileia. Um combatente ferrenho dessa onda perversa de tratar a floresta com o mesmo preservacionismo com que a Índia trata suas vacas, percebeu em vida a insensatez de estigmatizar cientistas como piratas da biodiversidade. E defendeu, como tem feito o CMA - Comando Militar da Amazônia -, de Theóphilo e Villas-Bôas, as promissoras parcerias internacionais com regras claras e propósitos transparentes de pesquisa e intervenção de boas práticas empreendedoras.

Dizia o Boto, há quase três décadas, no epílogo de Amazônia, Terra Verde Sonho da Humanidade, "O mundo civilizado, há 500 anos, reivindica apropriar-se da Amazônia e é compreensível esse anseio quando se tem o mínimo de informação a seu respeito. Como conduzir com inteligência a ocupação desse espaço, senão nas pesquisas, nos investimentos conjuntos, na identificação de talentos, e na mão de obra qualificada, na experiência prazerosa da poesia natural, sem xenofobia muito menos ingenuidade, uma oportunidade única para resgatar definitivamente o convívio saudável e urgente entre o homem e a natureza". E ponto.


Alfredo Lopes

Filósofo e ensaísta
Consultor do CIEAM - Centro da Indústria do Estado do Amazonas.  


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