sábado, 18 de julho de 2015

Matemático explica por que Suécia quer se 'dessuecizar'

Jordan Ellenberg

Em "O Poder do Pensamento Matemático", o matemático norte-americano Jordan Ellenberg mostra que a matemática está relacionada com questões cotidianas. Um dos temas tratados no livro é a política de bem-estar social que Obama tenta implementar nos Estados Unidos, mas que a Suécia, famosa pela prática, quer reduzir.
Doutor pela Universidade de Harvard e professor na Universidade de Wisconsin, Ellenberg escreveu para publicações como "The New York Times", "The Washington Post", "The Wall Street Journal" e "Boston Globe" e tem uma coluna na revista "Slate".
Abaixo, leia trecho de "O Poder do Pensamento Matemático".

1. Menos parecido com a Suécia
ALGUNS ANOS ATRÁS, no calor da batalha sobre o Affordable Care Act,1 Daniel J. Mitchell, do libertário Instituto Cato, postou uma entrada num blog com o provocativo título: "Por que Obama está tentando tornar os Estados Unidos mais parecidos com a Suécia quando os suecos tentam ser menos parecidos com a Suécia?"
Boa pergunta! Formulada assim, ela parece bastante perversa. Por que, senhor presidente, estamos nadando contra a correnteza da história, enquanto Estados com política de bem-estar social ao redor do mundo - mesmo a pequena e rica Suécia! - cortam benefícios caros e impostos altos? "Se os suecos aprenderam com seus erros e agora estão tentando reduzir o tamanho e o alcance do governo", escreve Mitchell, "por que os políticos americanos estão determinados a repetir esses erros?"


Responder a essa pergunta exige um gráfico extremamente científico. Eis o aspecto do mundo para o Instituto Cato:
O eixo x representa o jeito sueco de ser 2 e o eixo y é alguma medida de prosperidade. Não se preocupe em saber como estamos quantificando essas coisas. A questão é justamente essa: de acordo com o gráfico, quanto mais sueco você é, pior de vida está seu país. Os suecos, que não são nada bobos, descobriram isso e estão empreendendo sua escalada rumo ao noroeste, em direção à prosperidade do mercado livre. Mas Obama escorrega no sentido errado.
Deixe-me agora desenhar o mesmo perfil do ponto de vista das pessoas cuja visão econômica está mais próxima da do presidente Obama que da do pessoal do Instituto Cato.


A diferença entre as duas figuras é a distinção entre linearidade e não linearidade, uma das mais centrais na matemática. A curva Cato é uma reta.3 A curva não Cato, aquela com a corcova no meio, não. Uma reta é um tipo de curva, mas não o único tipo, e as retas desfrutam toda qualidade de propriedades especiais de que as curvas em geral não podem desfrutar. O ponto mais alto num segmento de reta - a prosperidade máxima, nesse exemplo - precisa estar numa extremidade ou na outra. É assim que são as retas. Se baixar os impostos é bom para a prosperidade, então baixar ainda mais os impostos é melhor. Se a Suécia quer se "dessuecizar", devemos fazer o mesmo. Claro que um pensamento anti-Cato radical poderia afirmar que a inclinação da reta é no sentido oposto, indo de sudoeste para nordeste. Se a reta tiver esse aspecto, então, nenhuma quantidade de gastos sociais é exagerada. A política ideal é a Suécia máxima.Esse perfil nos dá uma sugestão muito diferente de quão suecos deveríamos ser. Onde achamos a prosperidade máxima? Num ponto mais sueco que os Estados Unidos, porém menos sueco que a Suécia. Se essa figura está correta, faz perfeito sentido que Obama fortaleça nossa política de bem-estar social enquanto os suecos reduzem a deles.


Autor conta como se devem contar os votos numa democracia 

Geralmente, quando alguém se proclama "pensador não linear", é porque está prestes a se desculpar por ter perdido algo que você lhe emprestou. Mas a não linearidade é uma coisa real! Nesse contexto, pensar não linearmente é crucial porque nem todas as curvas são retas.4 Um momento de reflexão lhe dirá que as curvas reais da economia têm a aparência da segunda figura, não da primeira. Elas são não lineares. O raciocínio de Mitchell é um exemplo de falsa linearidade - ele está assumindo, sem dizer claramente, que o curso da prosperidade  descrito pelo segmento de reta na primeira figura, em cujo caso o fato de a Suécia se despir da sua infraestrutura social significa que devemos fazer o mesmo.

Mas enquanto você acredita que existe algo como bem-estar social demais e algo como bem-estar social de menos, você sabe que o retrato linear é errado. Está em operação algum princípio mais complicado do que "Mais governo é ruim, menos governo é bom". Os generais que consultaram Abraham Wald depararam com o mesmo tipo de situação: blindagem de menos significava que os aviões seriam abatidos, blindagem demais significava que não conseguiriam voar. Não é uma questão de ser bom ou ruim adicionar mais blindagem - podia ser qualquer uma das duas, dependendo do peso da blindagem dos aviões, para começar. Se há uma resposta ideal, ela está em algum ponto no meio, e o desvio em qualquer uma das direções é péssima notícia.

Pensamento não linear significa que a direção em que você deve ir depende de onde você já está.
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1 Literalmente, "Ato de Cuidados Médicos Acessíveis", também conhecido como Patient Protection and Affordable Care Act ou simplesmente Obamacare, é um estatuto federal americano transformado em lei pelo presidente Barack Obama em março de 2010, representando a mais significativa medida regulatória sobre o sistema de saúde e os planos de saúde nos Estados Unidos. Na época, foi motivo de acalorados embates entre democratas e republicanos, sendo que estes últimos não viam com bons olhos aquilo que consideravam uma "socialização" da medicina pública. (N.T.)

2 Aqui, "jeito sueco de ser" refere-se a "quantidade de serviços sociais e taxação", não a outras características da Suécia, como "disponibilidade imediata de arenques em dezenas de molhos diferentes", condição à qual todas as nações deveriam obviamente aspirar.

3 Ou um segmento de reta, se você faz questão. Não vou dar muita bola para essa distinção.

4 Em favor da clareza, devemos fazer aqui uma observação quanto à nomenclatura. Quando dizemos em português que uma variação é "linear", estamos nos referindo a uma variação cujo gráfico é uma linha reta. Em inglês o termo straight line é usado abreviadamente na forma line, daí a ligação imediata com "linearity". Em português essa ligação não é imediata, pois abreviamos o termo linha reta simplesmente como reta, e não como linha. ( N.T.)
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O PODER DO PENSAMENTO MATEMÁTICO
AUTOR Jordan Ellenberg
EDITORA Zahar


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