quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A ideologia que nos oprime

Por Percival Puggina

Volta e meia ouço que as ideologias acabaram. Ensinam-me que esquerda, direita e seus arredores perderam prazo de validade. Vai atrás! Chega a ser engraçado porque não abro jornal, não ouço rádio nem assisto tevê sem que as ideologias fluam aos borbotões das palavras e das imagens. Elas estão entre as mais imediatas causas das notícias. A ideologia que rege a banda nacional, por exemplo, está desintegrando a sociedade. Será preciso mais, para que o reconheçamos?
Rouba-se tudo de todos. O carrinho do bebê e, não raro, também o bebê. A pensão da velhinha e o guarda-chuva do velhinho. Rouba-se tudo de todos. O país virou um covil onde ladrões espantam turistas e apavoram os nativos. Por quê? Porque nossos governantes, legisladores e muitos magistrados consideram de "baixa lesividade" os crimes contra o patrimônio (alheio, claro). 

Nem por roubo à mão armada alguém vai para regime fechado. Se condenado, o assaltante ruma para o semi-aberto, onde não tem vaga. E daí para casa e para as ruas. É por isso que um desmanche de automóveis pode ser fechado quatro vezes. E continuar operando. E é por isso que os vândalos promovem trottoirs em Porto Alegre, quebrando o que encontram pela frente, enquanto a Brigada Militar a tudo assiste zelando pelo bem estar e segurança dos facínoras. Bem sei o quanto essa determinação superior contradiz o ânimo e os princípios que norteiam a formação dos membros da corporação.
O zelo pelo patrimônio privado ocupa o último lugar entre as preocupações das autoridades nacionais. Tendo o direito à propriedade deixado de ser significativo, por motivos doutrinários, filosóficos e ideológicos, tais crimes sumiram do catálogo das condutas coibidas. De tanto repetir que pedra é pau, furto e roubo se converteram em atos de justiça distributiva. "Encostaram-lhe uma arma no peito? Depenaram seu apê? Vá catar coquinho. Cada um com seus problemas."
De nada vale mostrar o quanto é malévola e incoerente essa ideologia de twitter, essa filosofia de quarto de página. Afinal, se o ladrão rouba por necessidade e não por adesão livre e racional ao crime, como explicar o vertiginoso aumento da criminalidade num período de expansão do emprego e da renda das pessoas? Temos, aqui, duas fatuidades: a ideologia que inspira o governo e sua política social. O crime avança - sei que a nada serve repeti-lo - porque é um negócio de alta renda e baixo risco.
Há muitos anos ouvi de alguém com influência na formulação das concepções a que estamos atrelados que nossos códigos protegiam mais os bens do que as pessoas. Foi como subir instantaneamente numa escada e espichar os olhos na direção do horizonte. Estava visto aonde aquilo iria nos levar. Hoje, o ladrão toma-te os bens na boa, mas se o ofenderes com palavras interditas, "preconceituosas", raios e trovões cairão sobre tua cabeça. Ante a inércia, aumentou significativamente o furto e, mais ainda, o roubo à mão armada, não raro com execução das vítimas. A desatenção aos crimes contra o patrimônio acabou com a segurança das pessoas cuja proteção se pretendeu priorizar - quem não vê? Ou será preciso desenhar? Não se constroem presídios e os existentes, superlotados, regurgitam as populações carcerárias de volta às ruas. Por fim, diante desse quadro macabro, nossos governantes fazem quanto podem para desarmar a população. E proclamam, com candura, que não há ideologia alguma nisso.

Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor, titular do sitewww.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, membro do grupo Pensar+.

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